E porque se havia de calar Hugo Chávez, majestade? Para fazer de conta que respeita os outros líderes presentes na cimeira? Ora isso não é verdade.
Se fosse verdade a própria cimeira se organizaria doutro modo. Por exemplo, começar-se-ia por não aceitar que agora Hugo Chávez e no passado Fidel Castro tivessem, nestes encontros, um palco próprio, chamado cimeira alternativa. Aí devidamente ovacionados por movimentos que eles mesmos promovem em toda a América latina, criticam e caluniam os mesmos chefes de estado com que acabam de se reunir nas cimeiras oficiais. ###
Se tudo tivesse corrido como previsto Hugo Chávez teria o lugar de estrela em ambas as conferências e garantida presença nosnoticiários europeus que, quiçá pela influência das telenovelas, dão da Venezuela um retrato tipo desenho animado.
Na Venezuela dispara-se contra manifestantes, fecham-se canais de televisão, multiplicam-se as escutas, impõem-se programas escolares de propaganda política... mas é como se tudo aquilo fosse um episódio do coiote de Chuck Jones ao som do 'beep-beep'. Para enfatizar o ar de estúdio de tudo isto nem falta a Chávez a habitual visita dos fartíssimos de viver bem que infelizmente não abandonam o mundo capitalista mas adoram dizer mal dele como Naomi Campbell, Sean Penn e Kevin Spacey.
Mas uma coisa é falar sete horas em Caracas, diante de plateias que riem no momento certo e que esperam piedosamente que Chávez lhes comunique o que, dos céus, Bolívar ou a Virgem Maria acabaram de responder às questões colocadas, no estúdio de televisão, pelo presidente da Venezuela. Outra coisa é afirmar-se como líder da América latina.
A verdade é que a cimeira que começara com ares de triunfo anunciado para Chávez, havendo mesmo a possibilidade de este revelar algo de importante sobre os reféns das FARC, estava a correr-lhe mal ainda antes de chegar ao Chile. Havia aquele detalhe dos espanhóis terem deixado que se soubesse, no final de Outubro deste ano, que a polícia venezuelana colocara microfones, em 2005, na sala do Hotel Meliá Caracas onde Zapatero, então de visita à Venezuela, devia receber os líderes da oposição venezuelana. Contudo, para lá de episódios como este e da retórica habitual, Chávez não tem incomodado muito nem alguns dos grandes empresários venezuelanos nem as empresas espanholas: como salientou ontem o "El Pais", os venezuelanos pagam a factura da luz, da água, do gás, dos serviços bancários a empresas espanholas.
Mas durante a cimeira tornou-se cada vez mais evidente algo que deve preocupar Chavez muito mais do que a irritação espanhola: países como o Brasil e o Chile não estão dispostos a ceder-lhe a liderança na América latina.
Por isso, terminada a conferência oficial com o 'Por qué no te callas?!' ainda a ecoar cada um foi à sua vida, falar com a sua gente: Hugo Chávez, Daniel Ortega e Evo Morales marcaram presença num estádio em Santiago do Chile para encerrarem a cimeira alternativa. Aí ofereceram a Evo Morales uma camisola onde se lia 'Mar para a Bolívia', logo problemas com o Chile que terá de ceder territória para essa ligação.
Lula da Silva, ainda a digerir as reacções ao anúncio da descoberta de importantes reservas petrolíferas no Brasil, declarou que 'Aprendi a não me exaltar nas reuniões.' Em Cuba, o jornal 'Granma' http://www.granma.cu/index.html não noticiou este incidente.
Não se sabe se Chávez terá voltado a cantar para a Venezuela 'No soy monedita de oro pa caerle bien a todos' tal como fizera ao aterrar no Chile. Mas se é verdade que não é moeda de ouro tem sido petro-cheque. Mas pelos vistos nem assim cai bem a todos.
*PÚBLICO, 12 DE OUTUBRO