13.6.04
ILAÇÕES DAS ELEIÇÕES
1ª Em Portugal não se elege, destitui-se: Estas eleições demonstram a valor negativo da democracia. Os próprios partidos de esquerda, ao afirmarem que se tratou de um castigo do governo e das suas políticas, reconhecem que não ganharam por mérito próprio (nem por falta dele, note-se), mas por demérito da coligação governamental.
2ª O Governo perdeu as eleições: ninguém votou por razões intrinsecamente ligadas ao acto eleitoral em causa, isto é, a União Europeia e as questões comunitárias. As pessoas votaram nos partidos que conhecem, em função do que sentem em Portugal. O efeito da morte de Sousa Franco terá sido, também, mínimo. Não reconhecer isto mesmo, será a maior derrota dos dois partidos do Governo.
3ª A coligação «Força Portugal» não se repetirá: nem Durão Barroso poderá permanecer insensível aos que, dentro do PSD, sempre se manifestaram contrários a esta coligação de governo, nem Paulo Portas poderá continuar por muito tempo mudo e quedo, a assistir à diluição rápida do CDS no eleitorado social-democrata. Ambos os partidos têm de saber quanto valem e as próximas eleições autárquicas são, por natureza, óptimas para o início do afastamento dos dois partidos, dadas as inúmeras situações em que as respectivas bases historicamente se abominam e não se poderia em circunstância alguma impor uma coligação. Por outro lado, algumas autarquias de grande dimensão ? Lisboa, Porto, Coimbra e pouco mais ? poderão manter a coligação com razões compreensíveis e, desse modo, alguma respeitabilidade numa separação inevitável.
4ª A política do Governo tem de mudar: e não apenas as caras do Governo. A remodelação, por si só, já não chega. Teria sido suficiente há três meses, seria muito pouco a partir de agora. Os políticos têm de perceber, de uma vez por todas, que não podem fazer um discurso na oposição e outro no poder. Por isso, é urgente que este Governo agrade, de facto, a um qualquer sector da sociedade portuguesa: à classe média, com o «choque fiscal», aos mais pobres, com políticas sociais despesistas. Já tem, se é que tem ainda, muito pouco tempo para se decidir.
5ª A CDU e o BE vão continuar a canibalizarem-se: numa interessante conflitualidade, digna da mais pura dialética marxista, vão continuar a tentar ocupar os respectivos espaços eleitorais. O Bloco, mais urbano e cosmopolita, «gauche chique», o Partido Comunista, mantendo a sua reserva alentejana, mais operário. Qual deles triunfará no fim deste fascinante «processo histórico», só o futuro o dirá.
6ª O PND desapareceu: ou melhor, não chegou a existir, ficando assim demonstrado que o mercado eleitoral português não comporta mais partidos, porque não existem consumidores disponíveis e as transferências de fidelidades fazem-se ao centro e não nas franjas do sistema. O Dr. Monteiro deveria ter olhado para a História recente e para o caso do PRD, em que nem Eanes, na altura em fim de dois poderosíssimos mandatos presidenciais, conseguiu impor o seu partido. A grande oportunidade de Monteiro, os 35% do último congresso do CDS a que compareceu, foi desbaratada pela sua ambição. Se com 3% ou 4% do Partido Socialista João Soares consegue a Câmara de Lisboa, imagine-se o que Monteiro não poderia ter obtido, para si e para os seus, com 35% de um partido que está no governo e algum tempo para negociar. Além do que, se gerisse inteligentemente o seu grupo, manter-se-ia sempre como alternativa a Paulo Portas quando este fraquejasse. O que, em democracia, sucede sempre mais cedo ou mais tarde.
7ª O PS ainda não conquistou o poder. É bom que isso esteja bem presente nos dois próximos anos, se quiser regressar, no fim desse período, ao Governo de Portugal.