«Em logar de vinho, que, como disse, não ha, lhe serve o tabaco, a que nós chamâmos herva sancta, ao qual se tem por todas as Indias achadas tantas virtudes, não sei se reaes se imaginarias, e particularmente, ao que nasce nesta ilha, pelo que é mais estimado e buscado; e onde concorre muito de varias partes perguntam os compradores por tabaco de S. Domingos, o qual não somente se semea e grangea para usar naquellas partes, mas traz-se tambem por mercadorias para estas, e de tanto preço que vimos nós desembarcar fazenda, que já estava embarcada, para fazer logar a esta, e accommodar, como merecia: e quando é por lá não ha quem o tire nunca da boca em fumo, ou dos narizes em pó, e infinitos ha que nem de ambas as maneiras se fartam delle; só os poderia fartar quem lhes descubrisse invenção, que eles comprariam por muito dinheiro, para assim como o mettem em si por estes dous sentidos, cheiro e gosto, o podessem metter pelos outros tres, que lhes ficam privados de tanto prazer: de maneira que o fim dos banquetes mui regalados, e a ultima iguaria delles, é um prato mui formoso cheio de tantos rolos ou canudinhos, como eles lhes chamam, feitos daquellas mesmas folhas, seccas e enroladas, quantos são os convidados. Aos quaes canudinhos, accesos por uma ponta, e metidos na boca, estão chupando o fumo, reprimindo o folego quanto podem, para que o fumo tenha tempo para andar visitando, consolando, e amesinhando todas as partes interiores. Aos que tem fome serve de pão, aos que tem sede serve de agua, aos que comerem destemperadamente e estão fartos, dizem que ficam desalijados; se estão encalmados , que os refresca; se frios, que os aguenta; se com maus humores, que lhes bota fóra o pó moido e tomado pelos narizes. E para que a todo o tempo o tenham á mão, não só o trazem perpetuamente na algibeira, e alguns, por fazerem mais honra ao pó, em abutas de preço, mas juntamente, quando caminham, fuzil para acenderem as folhas e canudinhos. »
Padre Gaspar Affonso S.J., na sua relação da viagem da nau S. Francisco, que foi para as Índias (América), no ano de 1596, tendo como capitão Vasco da Fonseca, in «História Trágico-Marítima«, coligida por Bernando Gomes de Brito.