17.11.06

Ausente do debate

De Carlos Garcez Osório, recebi um texto que aborda um dos aspectos mais esquecidos neste debate acerca da IVG. Qualquer que seja a posição que se assuma perante o próximo referendo, a questão aqui referida merece atenção. Dos dois lados:

«Entre todos os argumentos vertidos até hoje sobre a questão do aborto, a favor ou contra, só uma microscópica percentagem refere uma realidade cada vez mais esquecida: a paternidade. Discutem se o aborto é uma situação que só diz respeito à Mulher, se é uma vida que estamos a liquidar, se está em causa o interesse público, se é um direito, se é um crime, etc., etc. (...) No entanto, fora e ausente desta parafernália de razões, factos, opiniões e comentários está alguém cuja presença foi imprescindível para que tudo ocorresse: o Pai! Esta discrepância notória e manifesta, entre a Maternidade e a Paternidade, não se revela apenas na questão do aborto. ###

Por exemplo, os nossos Tribunais são autênticos cemitérios para os Progenitores masculinos. A nossa classe judicial vive e labora sob o inabalável dogma que determina que em caso de separação ou divórcio a guarda dos Menores deve ser entregue às Mães. Para que tal não aconteça é necessário que a Progenitora leve uma vida de bradar aos Céus ou que enferme defeitos dignos de um argumento de telenovela.

Ainda há pouco tempo, numa busca realizada na internet, encontrei uma associação de defesa dos direitos dos Pais que tinha uma peculiar denominação: 26/4. Tentei averiguar a razão de ser de tal equação e descobri que representava os dias do mês que, respectivamente, Mãe e Pai podem estar com os seus Filhos. Mas, ainda pior, se tal é possível, o que normalmente acontece é o Poder Paternal ser atribuído de uma forma absoluta e sem qualquer limitação a quem fica com a guarda dos Filhos (virtualmente, as Mães).

Quer isto dizer que o Pai se encontra coagido a não poder determinar qualquer aspecto da formação de uma Criança. A sua opinião sobre a educação de um Menor vale menos, mas muito menos, que aquela que a Mãe ouve na cabeleireira. A sua palavra não é tida para decidir onde a Criança vive, com quem vive, onde estuda, etc.. Já o contrário, não é verdade, ou seja, se por exemplo, o Pai tiver direito a passar férias com os seus Filhos todas as circunstâncias que configuram o decorrer desse período ficam sujeitas à aprovação da Mãe.

Isto tudo apesar da convicção clínica que a presença assídua do Pai é essencial para o harmonioso desenvolvimento de uma Criança. Quando se fala de desigualdade entre os sexos é automático pensar nas violações dos direitos da Mulher. Quando se fala que a sociedade não é justa para um dos géneros humano, pensa-se imediatamente no, tantas vezes repetido, papel subalterno da Mulher. Ninguém se preocupa com uma geração de Crianças, porque atendendo ao número incrível de divórcios é de uma geração que estamos a falar, que crescerá na certeza que entre Pai e Mãe esta tem muita, mas mesmo muita mais importância. O Pai é uma figura decorativa que só revela interesse nos primeiros dias do mês quando é obrigado a dar o seu enorme contributo para a educação dos seus Filhos: o dinheirinho. E ai dele se se, atrasa porque além da cominação criminal passa a ser conhecido pelo "**** do teu Pai" (sendo que aquela expressão representará o maior ou menor enlevo maternal).

O Pai vale tanto quanto a sua capacidade para cumprir pontualmente as suas obrigações financeiras. A sua educação, os seus valores ou a sua perspectiva valem o que a Mãe, num exercício puramente individual e arbitrário, decidir valorizar. A tese de que se um homem participou na concepção de uma vida deverá ser tão responsável por ela como quem tem o privilégio de a dar à luz é substituída pela expressão "fizeste agora pagas", com este "pagas" a ter de ser entendido de uma forma restritamente literal.

E tudo isto com a expressa concordância das instituições judiciais e de segurança social que são essenciais e responsáveis para que tal suceda. E tudo isto perante a cumplicidade daqueles que legislam, pois sempre que renovam o quadro legal agravam cada vez mais, a já de si precária, posição do Pai.

Mesmo a comunicação social que noticia freneticamente cada violação, ou até cada possibilidade de violação, dos direitos femininos, marimba-se total e completamente para o lento homicídio da figura paternal. E sendo certo que existem inúmeros casos em que é o próprio homem que se afasta das suas obrigações paternais, alheando-se por sua única e exclusiva vontade, a verdade é que só a revitalização da Paternidade poderá impedir que tal continue a ocorrer. E os prejudicados não são somente os Progenitores que se vêm privados de realizarem os seus sonhos mais profundos, são também os Filhos que crescem sem o necessário e devido acompanhamento paternal. Não é admissível. Não é justo.

Pior, estamos perante situações que nada nem ninguém conseguirá algum dia reparar. E, voltando ao início, não é fácil compreender como é que aqueles que tão "progressivamente" defendem o "inalienável" direito da Mulher à interrupção voluntária da gravidez, acusando quem se lhes opõe de falta de compaixão, tolerância e equidade, remetam os Pais para o mais completo e infame ostracismo. Porque se ainda está para se concluir se aquele direito é ou não inalienável, líquido é a Mãe ter direito a ser Mãe e o Pai ter direito a ser Pai.

É incompreensível que admitam sem qualquer escrúpulo a mais despudorada e repulsiva disparidade de direitos, aqueles que, acessoriamente, são inflexíveis na defesa da igualdade de oportunidades entre os sexos. Mas nestes tempos que correm não é vantajoso nem lucrativo defender o que acreditamos ser justo e correcto. Outrossim, o que convém é pelejarmos por aquilo que nos pode trazer dividendos, votos e, mais do que qualquer coisa, mais e maiores audiências.»

Carlos Garcez Osório