1.11.06

O último limite


Quando, recentemente, um blogger anónimo acusou o Miguel Sousa Tavares de plágio, eu não perdi tempo a reler o Equador e menos ainda a procurar o Freedom at Midnight. Entre o Miguel Sousa Tavares, que eu considero um homem de carácter, e um blogger anónimo, eu opto pelo Miguel Sousa Tavares. Portanto, não há plágio. E a questão ficou resolvida assim.

Naquele que é, provavelmente, o mais persuasivo de todos os ensaios jamais escritos acerca da liberdade de expressão, John Stuart Mill acabou por se confrontar, sem nunca o resolver, com o problema crucial da liberdade, que é o de saber quais os limites - se é que existem alguns limites - a impôr à liberdade.###

Mais recentemente, Karl Popper, poucos anos antes de morrer (1994), argumentou em favor de alguma forma de censura à televisão, cuja exibição de violência sem limites estava a corromper a juventude e a civilização. E propôs que a produção televisiva fosse organizada de uma forma corporativa, semelhante à da profissão médica. Uma espécie de Ordem do audovisual seria instituída. Só teriam acesso à profissão as pessoas que frequentassem certos cursos prescritos pela Ordem. Para exercerem a sua profissão, todos os profissionais teriam de estar inscritos na Ordem, e quem não estivesse inscrito na Ordem não a poderia exercer. Todos os membros da Ordem prestariam uma espécie de juramento hipocrático, segundo o qual se comprometiam a não exibir certas programações - e Popper tinha especialmente em vista as programações violentas.

Vinda de Popper, a ideia não podia senão causar perplexidade. E Popper não viveu o tempo suficiente para assistir à propagação do mal através dos videos, dos CD´s, dos DVD´s e, finalmente, da internet. A internet veio destruir aquele que era, provavelmente, o último limite à liberdade de expressão - a responsabilização pessoal de quem se exprime. Pela via do anonimato, a blogosfera veio liberalizar, de uma forma praticamente absoluta e gratuita, o boato, a suspeição, a calúnia, o insulto, o assassínio de carácter.

Eu não fiquei, por isso, surpreendido com o recente recorde de audiências do Blasfémias - e, menos ainda, entusiasmado. Sendo o mais aberto de todos os blogues, o Blasfémias é uma experiência precária, um microcosmos, uma pequena sociedade humana em luta interna e violenta pela liberdade - na realidade, por traçar um novo limite à liberdade de expressão, se é que esse limite existe e é possível ser traçado. Poucos gostariam de participar nesta experiência - e muito poucos, na verdade, nela participam. A maior parte dos visitantes vem assistir ao espectáculo, qual Coliseu de Roma, movida pela curiosidade sobre os detalhes do confronto nos seus aspectos mais escabrosos - as agressões, o sangue, as feridas, as vítimas; outros, procuram verificar se já existe algum desfecho. Outros ainda - provavelmente, a maioria das pessoas - foge horrorizada logo ao primeiro contacto.

Porém, em face da realidade, os argumentos de indignação moral são ineficazes. Procurar ignorar a realidade é ainda pior. Não resta senão confrontá-la lá em baixo na arena.