3.10.07

Foz Côa: uma história de enganos*

De visita à zona do Parque Nacional da Peneda-Gerês, Jerónimo de Sousa afirmou que “as populações dos parques e reservas naturais devem ser compensados pela discriminação a que estão sujeitos (...) por viverem numa reserva sem que o Estado lhes dê contrapartidas visíveis.”
Deixando de lado o velho desígnio de Jerónimo de Sousa de tornar os portugueses numa população de dez milhões de assistencializados, todos dependentes e controlados por uma eficaz máquina que geriria impostos e subsídios, vale a pena não deixar morrer o assunto. Afinal se as populações da Peneda-Gerês pretendem ser economicamente ressarcidas “por viverem numa reserva” então o que pretenderão as populações abrangidas pelos outros parques e reservas?!
Convém não esquecer que o Parque da Peneda-Gerês é um dos principais destinos turísticos nacionais, logo a questão do prejuízo económico tem um deve e haver que não foi ponderado por Jerónimo de Sousa. Infelizmente o líder do PCP não se interessou pela questão dos constrangimentos legais a que estão sujeitos os habitantes das áreas protegidas. É certo que já se deixou de supor que os habitantes das zonas protegidas seriam uma espécie dos nossos índios domésticos, ataviados com tamancos e preferindo contar histórias de mouras encantadas a ver televisão. Mas desde que o Parque da Peneda Gerês foi criado em 1971 até hoje, a administração pública reserva para si o direito de se imiscuir na vida das populações destas áreas num grau que jamais se aceitaria noutros espaços ou por outras razões. Obviamente o autoritarismo é algo que não se espera que choque Jerónimo de Sousa e eu sobretudo espero que no seu périplo pelas zonas protegidas, o secretário-geral dos comunistas vá a Foz Côa. Ali o PCP tem uma nova causa: o operariado enquanto criador de património. ###
Dado o fiasco que representou o Parque do Côa – menos de um décimo dos visitantes inicialmente anunciados, nenhum desenvolvimento associado ao parque e muito menos uma estupefacção mundial perante os achados – optou-se agora por construir um museu. Este museu é uma pálida imagem do anunciado em 1996. Desaparecido nas profundezas da megalomania paleolítica que então se apossou do país creio ter ficado também o túnel que desviaria as águas do Côa e permitiria o ressurgimento de cerca de 90 por cento das gravuras, na Canada do Inferno. Agora espera-se singelamente que os operários da empresa ‘MonteAdriano’ façam em betão, por 11,5 milhões de euros e num prazo de 600 dias, algo que nos dê uma razão para irmos a Foz Côa e acreditarmos que valeu a pena suspender a construção da barragem.
Como sempre em Portugal quando algo não resulta a construção civil permite espectaculares fugas em frente. O museu que “vai atrair os visitantes” é apenas mais uma fuga a juntar às várias que têm caracterizado este processo desde que António Guterres fez da suspensão da barragem a primeira medida do seu governo. E foi uma péssima e demagógica medida: enquanto se gritava que as gravuras não sabiam nadar, outras gravuras igualmente importantes eram submersas em Portugal. Por exemplo, no Alqueva. Submersa também ficava outra questão: onde fazer as barragens alternativas a Foz Côa? Não existia outra localização tão adequada. Várias barragens de menor dimensão têm agora de ser construídas, inclusivé uma no vale do Sabor, e o resultado é sempre pior. A barragem do Sabor é o preço a pagar pela demagogia que triunfou no Côa. E contudo ainda estamos a tempo de mandar as máquinas do Sabor para Foz Côa. Se Jerónimo de Sousa passar por essas terras importa-se de perguntar às populações o que pensam deste caso?

*PÚBLICO, 1 de Outubro