8.10.07

Leitura obrigatória

Virado para dentro do lado de fora, por Pedro Correia, no Corta-Fitas;
Mas qual polémica?
, por Rui Tavares, no Público:
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Há uma certa leviandade na forma como as coisas mais banais ganham a dignidade de polémica. Mas não é por acaso: em cada polémica fajuta, há sempre alguém que beneficia. Consideremos o episódio das capelanias hospitalares.

A Constituição, a Concordata e a Lei da Liberdade Religiosa concordam todas nos seguintes princípios:

– A assistência religiosa nos hospitais deve ser solicitada pelo paciente;
– O Estado não é obrigado a pagar a assistência religiosa;

Aparentemente, o Governo dispõe-se a respeitar o primeiro princípio e (como é hábito) esquecer que o segundo existe. E isto é uma polémica?

Para os bispos, dá jeito que seja: o primeiro a declarar uma “polémica” ocupa território. Alegremente vão atrás os jornalistas: nasce a “polémica das capelanias”. Se há polémica certificada, o público convence-se que no meio está a virtude. Logo, quanto mais agravada se mostra uma parte, mais puxa a bissectriz para o seu lado. E já agora por que não chamar-lhe antes uma guerra? Seguem-se manifestos como o de Graça Franco no Público de sexta-feira, acusando os “jacobinos” de perseguir a Igreja e contando as espingardas dos votos católicos: “Querem reintroduzir a questão religiosa em Portugal? Esperem por 2009!”. Se o Primeiro-ministro declara em frente a uma plateia de bispos que “o diálogo é positivo”, a Igreja clama vitória: o Governo recuou.

No espaço de poucos dias, os bispos declararam a guerra, lançaram os morteiros e proclamaram vitória. Com um pormenor: ninguém sabia do que estavam eles a falar.

***

Recapitulemos esta história mal contada. Há um diploma do Ministério da Saúde sobre assistência religiosa nos hospitais. Até há quatro dias, a imprensa não o tinha visto. Só a Conferência Episcopal Portuguesa lhe tivera acesso há meses e (como é habito) em exclusivo. Anunciou o seu escândalo por estas razões principais: não haveria assistência fora do horário das visitas; o governo pretendia despedir os capelães que são funcionários públicos; os amigos e familiares não poderiam pedir assistência depois da entrada do doente. Só há um problema: estas medidas não estão no diploma. Nenhuma delas.

Pelo contrário, o diploma permite a assistência fora das horas das visitas e pedida a qualquer momento por amigos, familiares ou pelo próprio. Os empregos na função pública estão garantidos até à reforma. O estado vai continuar a pagar a assistência religiosa. Quem não tem religião não tem direitos (em contrapartida, exigirei um professor de filosofia ou um lanche reforçado pelos meus impostos). E agora que nós mortais começamos a ter acesso a toda esta timidez em forma de texto, só há duas explicações para a “polémica”: ou os bispos não souberam ler o diploma, ou induziram o público em erro sobre o seu conteúdo.

Por isso, ao invés de ameaçar com a retaliação do voto católico, mais vale fazerem um esforço para evitar as distorções sensacionalistas, guerras anunciadas e vitórias precoces. A “polémica” teve o efeito involuntário de chamar a atenção para isto: mais de cem capelães são pagos nos hospitais com o dinheiro de todos os contribuintes e com acesso irrestrito a todos os doentes, católicos ou não. Para mais, escandalizam-se ao descobrir que a Constituição não lhes dá o privilégio de tratar todo o cidadão como católico à partida.

Agora que já fizeram a festa e lançaram os foguetes, eu teria algum cuidado: as canas ainda não caíram todas.