A História e o marketing gostam do Che mas não sabem o que fazer com Tatu. Tatu era o nome que Ernesto Guevara adoptou quando esteve em África. Entre Abril e Dezembro de 1965, Ernesto Guevara foi Tatu, combatendo algures no Congo, ao lado de Laurent Kabila. A primeira aventura militar dos cubanos em África acabou desastrosamente: Tatu fugiu do Congo para a Tanzânia e os seus homens regressaram a Cuba, sem honra nem glória. Não mais se falou de Tatu. Guevara voltaria a Cuba e seria novamente o Che. Meses depois partia para a Bolívia.
Tal como acontecera no Congo, alguns meses na Bolívia bastaram para que Guevara se tornasse novamente num homem acossado e num comandante derrotado. O seu diário da Bolívia é o relato de alguém que tanto podia estar ali como noutro lado qualquer: encontrar comida e seguir sem ser visto são os únicos objectivos que parece ter para o seu grupo. A 9 de Outubro de 1967, o Che foi executado. Morto e eternamente jovem, Guevara deslizou das montanhas da Bolívia para os posters e t-shirts. Sem o fotogénico Che a ditadura cubana talvez ainda existisse mas seria certamente menos tolerada pelas democracias.
Mas a ditadura cubana sabe que também deve algo a Tatu. Deve-lhe influência. A nomenclatura de Havana fez sua umas das conclusões do Che acerca da sua experiência africana: “os negros não servem para fazer a revolução”. O que não quer dizer que a nomenclatura tenha desistido de África. Antes pelo contrário para o mesmo continente africano donde Tatu fugira foram enviados milhares e milhares de cubanos. Não para fazer revoluções. Mas sim geo-política. Sobretudo na África que fala português.###
A presença de militares cubanos nas antigas colónias portuguesas é anterior ao 25 de Abril. O lado mais visível dessa presença traduziu-se na captura pelo exército português, em 1969, do capitão cubano Pedro Rodríguez Peralta, na Guiné-Bissau. A partida de Peralt Portugal após o 25 de Abril teve os contornos românticos adequados a um guerrilheiro: com ele partiu também a enfermeira portuguesa que o tratara no hospital da Cruz Vermelha onde estivera internado. Mas enquanto Peralta deixava Portugal rumo a Cuba onde, por esses idos de 1975, também desembarcavam centenas de jovens europeus e norte-americanos para participarem na safra do açúcar, milhares de jovens cubanos começam a preparar-se para viajar para a África ainda portuguesa. A maior parte deles foram para Angola. Começaram a chegar antes das independências serem declaradas. Ocupavam as instalações que os militares portugueses iam deixando vazias e terá sido da mão de oficiais portugueses que os seus chefes receberam os mapas e as informações que lhes vão permitir orientar-se naquelas terras para eles desconhecidas até então desconhecidas. E bem precisavam desse apoio: mal chegam a Angola os cubanos começam a combater e a perceber que as evocações da Sierra Maestra não são suficientes para ganhar a guerra.
Treze anos depois os cubanos sairão de Angola. Não vão vencedores nem vencidos. Eram simplesmente um incómodo. Quer para Angola quer para Cuba. Regressaram à sua ilha com histórias inconvenientes. Alguns levavam também diamantes. Outros droga. Alguns SIDA. Muitos acabaram nas prisões ou nos hospitais. A maior parte foi simplesmente esquecida. África voltara a ser madrasta para os descendentes de Tatu. O homem de quem nunca se fez nenhum poster. E que mal se sabe que existiu.
*PÚBLICO, 11 DE OUTUBRO