Excepcionando uma regra de conduta blogueira, entendo ser útil publicar um comentário não identificado a esta minha posta. Porque, embora não me identifique com todo o seu conteúdo e este ser susceptível de interpretações variadas, julgo ser mais um bom pressuposto para a discussão. (entretanto, o artigo de Vital Moreira que lhe está na origem já tem link directo)
«... A irmanação (que não passa de atrevido atrelamento, próprio dos "penduras") do estatuto do MP ao estatuto dos Juízes, encerra em si um potencial mortífero para princípios fundamentais do Estado de Direito, em geral, e do ordenamento jurídico-processual, em particular.
Eu, por exemplo, acho que um dos mais graves problemas da Justiça é o facto de, na maioria dos tribunais, o MP ocupar, à mesa do julgamento, um lugar próximo do do juiz e situado - pasme-se! - à mesma cota que o dele.
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É coisa sabida e sentida por todos os advogados, de há muito, que, para asseguar o princípio da igualdade das partes, o MP não devia, jamais, poder entrar ou sair pela mesma porta por onde entra e sai o Juiz. Aliás, vendo melhor, o MP nem sequer devia entrar, de todo, pois também acho que viola o princípio da igualdade o facto de os procuradores exercerem as suas funções dentro do próprio Tribunal, sob o mesmo tecto que abriga o Juizes, chegando-se ao desplante de terem os seus gabinetes muito pertinho dos deles...
Se se quiser garantir, em toda a sua plenitude, o sagrado princípio da igualde das partes, tem que se ser consequente: expulse-se imediatamente todo o MP dos tribunais!
Onde é que já se viu que uma das partes (o todo poderoso MP) possa estar comodamente instalada nos Palácios da justiça deste pobre país, servindo-se, à borla, de todas as suas infraestruturas, equipamentos e funcionários, enquanto que a outra parte, coitada, tem que trabalhar fora dos tribunais, em escritórios arrendados a peso de ouro, custeando do seu próprio bolso todas as despesas inerentes?
E o problema não é só esse, meus caros. O maior problema não é o de o MP usufruir das mesmas mordomias que os srs. juízes e ter-se alapado no interior dos Tribunais. O mais grave é que os juízes têm, necessariamente, que ser, pessoas de grande abertura de espírito e de delicada sensibilidade. Ora, o facto de o MP "trabalhar" (perdoe-se-me o eufemismo) ao lado deles, e passar pelas mesmas portas por onde eles passam, e percorrer os mesmos corredores que eles percorrem, e andar nos mesmos elevadores onde eles andam, e servir-se das mesmas casas de banho (que horror!) onde, soberanamente, eles, periodicamente, também tomam assento, é susceptível de criar uma perigosíssima zona de contaminação que turbará a imparcialidade dos meritíssimos, naquele momento único, grave e solitário em que têm que proferir os seus doutíssimos decretos judiciais, e fará, inexoravelmente, pender o prato da balança para o lado do MP, em desfavor de nós, pobres advogados, cuja capacidade de influenciar os Meritíssimos é bem menor, porque, residindo fora, só entramos às vezes, e sempre pela porta dos fundos; além de que, afundados, apoucados e amesquinhados num assento 13,5 cm mais baixo do que o do MP, temos que lançar os nossos argumentos com muito mais força, já que a distância que os separa dos cérebros dos julgadores é cerca do dobro da distância que os argumentos do MP têm que percorrer até aos mesmos ditos.
Enquanto o MP continuar a ocupar os Tribunais e a partilhar das mesmas tenças e a envergar as mesmas becas dos juízes, meus caros, o nosso Estado de Direito democrático não passará de um tosco arremedo!»