9.10.06

Leo Strauss

A corrente de filosofia política mais influente na Administração Bush é provavelmente aquela que é herdeira do pensamento de Leo Strauss (1899-1973), um filósofo alemão que emigrou para os EUA em 1938, tornando-se professor na Universidade de Chicago.
Strauss é um crítico da democracia-liberal - mais do liberalismo do que da democracia - e, em geral, de todos os valores saídos do Iluminismo, como o individualismo, o secularismo e o racionalismo.

O racionalismo fez explodir todos os mitos - como a religião e a moral bíblica, mas também os mistérios, as lendas, os fantasmas - que tradicionalmente estabeleceram os laços entre os homens e deram coesão e força à sociedade, conferindo-lhe uma cultura e um sentido. O liberalismo, com a sua exaltação das virtudes comerciais, vulgarizou os ideais e acabou com os heróis, ao mesmo tempo que o seu potencial criador de riqueza material gratificou o homem moderno para além de toda a imaginação.###

O resultado foi o regresso da sociedade a um estado de animalidade plácida, uma sociedade feita de milhões de homens anónimos, auto-centrados no seu bem-estar material e na sua gratificação pessoal, cépticos e niilistas, imensamente iguais no seu próprio individualismo, uma sociedade sem ideais nem heróis, moralmente enfraquecida e incapaz de se defender a si própria - uma sociedade sem cultura.

Os straussianos vêm na sociedade americana o exemplo mais acabado da degradação social a que a modernidade conduz, nessa combinação explosiva de racionalismo e ciência, liberalismo e capitalismo. Allan Bloom, o principal discípulo de Strauss, resumiu numa frase o vazio cultural do homem moderno: "It is possible to become an American in a day" (Bloom, 1987) . A atracção pelas gratificações materiais do liberalismo acabará por globalizar este modo de viver. Mas quando o homem aceita assim desumanizar-se, despindo as vestes da cultura, e voltando de novo às cavernas - não já num estado de luta pela sobrevivência, mas num estado de gratificação material - que futuro, que diferença, que progresso é de esperar a partir daqui? Nenhum, apenas mais do mesmo. É o fim da história (Fukuyama, 1992).

A cultura, a civilização, a história é uma criação dos filósofos - dizem os straussianos - e não o resultado de um qualquer processo espontâneo. Foram eles que inventaram os deuses e todos os outros mitos que deram uma cultura ao homem e o humanizaram. Só os filósofos são capazes de encarar a verdade (v.g., a de que Deus não existe ou a de que as regras da moral são apenas mentiras nobres para manter as massas sob controlo). Por isso, só os filósofos estão aptos para governar. Não directamente, porque o contacto com as massas é perigoso para os filósofos - o fim trágico de Sócrates às mãos dos atenienses é um tema recorrente em Strauss (1952). Mas através da classe dos gentlemen, a elite social conservadora. E, na realidade, os straussianos em Washington aparecem quase sempre em posições de influência, raramente em posições de primeira exposição pública.

O straussianismo torna-se, assim, uma doutrina secretiva, manipulando na sombra, e propositadamente obscura. Para os straussianos, a tarefa prioritária da governação - na realidade, o objectivo central da política - é criar os mitos que mantêm uma sociedade coesa e forte, como a religião e a moral tradicional, o patriotismo e o nacionalismo, mas também os heróis, os fantasmas, os inimigos reais e imaginários.

Como os straussianos não acreditam nos princípios da moralidade - excepto para as massas - eles não se sentem restringidos por quaisquer considerações éticas. A decepção e a mentira ganham assim o estatuto de instrumentos aceitáveis, senão mesmo indispensáveis, da acção política. Porém, numa sociedade racionalista, os mitos são como os castelos-de-cartas, desmoronam-se facilmente. Por isso, para realizarem o seu programa político, os straussianos têm de criar "mentiras esplêndidas e fraudes espectaculares" (Drury, 1994).



Adenda - Straussianos influentes em Washington:
Paul Wolfowitz, Abram Shulsky, Irving Kristol, William Kristol, Stephen Cambone, Richard Perle, Lynne Cheney, Gary Schmitt, Karl Rove, Lewis Libby, Robert Bork, Clarence Thomas, William Benett, John Ashcroft, William F. Buckley, Francis Fukuyama, Norman Podhoretz, Douglas Feith.



Referências:
Allan Bloom, The Closing of the American Mind, New York: Simon and Schuster, 1989, p. 53.
Francis Fukuyama, The End of History and the Last Man, 1992. Tradução portuguesa: O Fim da História e o Último Homem, Lisboa: Gradiva, 1992.
Shadia B. Drury, Alexandre Kojève: The Roots of Postmodern Politics, New York: The St. Martin´s Press, 1994, p. 207.
Leo Strauss, Persecution and the Art of Writing, Chicago: The University of Chicago Press, 1952.