1.6.04

Dirigismo estatal

Meu Caro Irreflexões, este País anda há anos a clamar por menos e melhor Estado e o resultado tem sido sistematicamente o oposto. Já estou cansado de ouvir falar em remodelações, reconversões, reestruturações, reformas e outros objectivos igualmente nobres e palavrosos e que se consubstanciam sempre em admissões adicionais de boys.

A minha descrença nos benefícios da intervenção do Estado na economia não tem tanto a ver com razões ideológicas, mas sobretudo com a lógica de funcionamento daquele. O Estado não se move por razões racionais - falta-lhe o motivante objectivo lucro - e isto, conjugado com a inexistência de competências nucleares ao nível da Administração Pública e com uma gestão de recursos humanos que não premeia o mérito nem sanciona as falhas, conferem-lhe uma total e gritante incapacidade para gerir processos. Fossem estas restrições ultrapassadas, subsistiria ainda a lógica dos interesses que, embora disfarçada sob a capa da ideologia, beneficia na prática as corporações instaladas. Para além disso, os burocratas do Estado não têm nem nunca terão o monopólio do conhecimento e da informação, como o João Miranda muito bem demonstrou em tempos.

Mas passando ao seu interessante exemplo:

1. O seu raciocínio tem implícito o cómodo pressuposto caeteris paribus. Mas mesmo admitindo que ele se verifica, o excesso de oferta na capacidade da rede seria, tarde ou cedo e em mercado aberto, colmatado pelo aparecimento de novos operadores com estruturas de custos agressivas. De certa forma é o que acontece com o mercado de aviação americano, onde um excesso de capacidade conjugado com a enorme retracção da procura verificada desde o 11 de Setembro, não impediu que as low-cost carriers continuassem a crescer, quer em volume, quer em quota de mercado e, mais importante, a ganharem dinheiro. Sintomático aliás, o recente recuo nos aumentos de preços por parte das grandes companhias motivado pelo disparo nas cotações do crude. Ou seja, releva sobretudo a racionalidade na estrutura de custos dos operadores.

2. Contudo, a economia é dinâmica e a concorrência é transversal a todo o sector dos transportes e não apenas no sub-sector ferroviário. Se os operadores praticam preços anormalmente elevados por via por via da repercussão dos custos totais da estrutura (rede), os utilizadores tenderão a privilegiar outras alternativas, incluindo o saudável gasto de mais solas. À medida que os operadores ferroviários fossem saindo do mercado, os remanescentes teriam de suportar uma fatia crescente dos custos de estrutura até que chegaríamos a um ponto em que o monopolista da rede não teria ninguém a quem facturar.

Não tenho porém nenhuma solução milagrosa para manter o equilíbrio entre os vários sub-sectores dos transportes, nem certezas absolutas. Mas numa perspectiva liberal, considero aceitável o papel das entidades reguladoras que vêm funcionando razoavelmente nalguns países. Sendo embora organismos do Estado, detêm alguma especialização em cada sector e mantêm uma grande independência face àquele. O seu objectivo fundamental é velar pela manutenção da concorrência, pela prevenção de abusos de posição dominante, vigiar os chamados monopólios naturais e sancionar as más práticas. Não tenho dúvidas que também neles se verifica um défice de conhecimento e de informação, se bem que em muito menor escala. A bem da racionalidade, parece-me igualmente que todos os agentes do mercado deverão ser privados.