22.6.04

Monólogo em torno das considerações de CAA e de MP

Vale a pena falar da Europa?

Não sei. Não sei se vale ou não a pena - como questiona o meu amigo CAA; também não saberei - cingindo-me à mesma lógica desencantada e ao mesmo tipo de pressupostos, por exemplo, utilizados pelo MP - se vale ou não a pena continuar a falar e a discutir Portugal.... E - isso sei! - continuando assim, a lista do que também não vale a pena discutir (mas não só...), seguramente, não acabaria.

Uma coisa julgo poder verificar: valendo ou não a pena, ela (a Europa, esta Europa) vai-se discutindo, vai-se mostrando e, portanto, dispondo-se a ser discutida, mesmo que só por hábitos "eurocráticos" e dos "eurocratas" que - suprema ironia! - lá vêm permanentemente publicando notas de imprensa, relatórios, publicações ditas oficiais, traduzidas em todas línguas, disponibilizando sítios na net, promovendo e pagando fórums de discussão, conferências, seminários, enviando gratuitamente a quem o solicitar os textos políticos, os discursos oficiais, até a jurisprudência de forma quase imediata, etc., etc., e vão fazendo-o, nem que seja para justificar o seu próprio trabalho!).

Vai-se discutindo, muito até, para quem queira e não se abstenha, ou não se demita ou, simplesmente, se interesse minimamente. E nisto, o CAA tem toda a razão quando fala em "aceitação generalizada e acentuadamente ruminante" (pressupondo o debate - apesar de tudo, existente, sobretudo noutros Estados e noutra imprensa - em torno da "Constituição" Europeia) ou numa "apatia dominante" que, mais comezinha e imediatamente se traduz, em hora de eleições, na grande vencedora, a Sra. D. Abstenção (posta de 14.06.2004).
E o contraste com o que se vai passando entre nós, então, será gritante. Diria, vergonhosamente gritante. Veja-se, por exemplo (se bem que - é certo - uma coisa tenha a ver com a outra), o enaltecedor exemplo de transparência da nossa democracia, a propósito da recém e quase clandestina revisão constitucional! E o comum dos processos internos (nacionais) de decisão política e normativa, etc, etc. E o medo do referendo que, além do mais e se outra justificação não tivesse (o referendo, repita-se), até poderia definitivamente afastar as insinuações de "falta de discussão"...

No entanto, este alheamento e abstenção, também são os custos da própria democracia representativa - sim, dessa mesma, modelada no e para o Estado e cuja lógica se pretende, a todo custo, mimetizar, no funcionamento da União Europeia. Essa mesma democracia que se reclama, efectiva e materialmente, em doses abundantes, para a Europa - esquecendo-se tais reclamações, em igual grau de intensidade e quantidade, para os Estados nacionais, para todos os outros entes de poder, para as autarquias, etc., etc.; são os legítimos efeitos dessa mesma democracia que proporcionam essa "ruminante" - mas livre! individual e responsavelmente livre (temos que o presumir e aceitar, por muito que nos custe) - abstenção.

De resto, por outro lado, na análise do MP, há um equívoco nos pressupostos de que parte, uma espécie de trompe l'oeil (ah! estes galicismos, esta velha Europa franco-alemã!): MP utiliza um "balão de ensaio" - o jogo Portugal - Espanha. E observa: "Foi um recrudescimento da sanha que os portugueses têm aos espanhóis! Sim, foi uma questão genética; tirámos todos da "arca" aqueles sentimentos que sempre nutrimos em relação aos "espanhóis" (leia-se mais concretamente, castelhanos)!" E acrescenta: "O mesmo se passa em relação aos ingleses, com os franceses - e vice-versa, etc, etc". De seguida, MP conclui: "E, sendo assim, e assim sendo, nem todos os senhores da União Europeia juntos fazem com que o pretenso federalismo europeu seja uma realidade; poderá, pelo evoluir das coisas (e muito, muito, infelizmente) ser uma realidade formal; veja-se o «acordo histório» da (pseudo) constituição europeia!"

Ora, MP esquece-se que é precisamente "essa sanha" natural, sociológica, genética que sempre existiu entre os povos vizinhos da Europa que justificou, que deu a ratio última (ou primeira) ao projecto da Europa comunitária. Desde logo, esta seria uma inutilidade subliminar se, porventura, tais riscos dessa "sanha" não existissem ... se, porventura, nos inseríssemos todos num mesmo grupo, num povo, numa idiossincrasia cultural, civilizacional e genética, pacificamente homogéneos!

O que se passa precisamente neste momento é que - por falta de visão da geração actual de líderes europeus (uma geração de equívocos, marcada pelas utopias dos sixties) e por circunstâncias várias (designadamente, as de baixa política que refere o CAA) - a Europa da "Constituição convencional" afasta-se perigosamente do federalismo, ou, no mínimo, de um sentido para-federal (seja lá o que isso for, de entre os multiplos tipos e manifestações históricas de modelos de organização política, catalogados como federais).

É claro que a realidade comunitária muda, transforma-se e, provavelmente, tal como a fomos conhecendo até hoje, poderá desaparecer a curto prazo - e, certamente, desaparecerá mais tarde ou mais cedo, ajustando-se, metamorfoseando-se, ou não, noutras realidades e esquemas institucionais de organização política regional, num mundo globalizado! Tal como os Estados que, de soberanos, no sentido clássico, já o são muito pouco! E, no entanto, cá estamos, cá existimos, cá continua a estar Portugal (para o bem e para o mal).

É claro que eu também gostaria que esta "Constituição" fosse diferente. Por isso, pretendo discuti-la. Acho que vale a pena... quanto mais não seja, por "descargo de consciência".

É claro que o devir histórico poderá aclarar as dúvidas - seguramente o fará; mas a história da Europa comunitária também já nos foi reservando algumas surpresas, nestes quase cinquenta anos (por exemplo, quem acreditava, pouco tempo antes, na possibilidade do Euro? Não era também visto como uma loucura dos "eurocratas"? E Maastricht?).
Não estará a ser moldado um novo Constitucionalismo, num mundo em permanente mudança, de permanete "queda de paradigmas"?