10.6.04

NO DIA DE PORTUGAL



Os miseráveis acontecimentos ocorridos ontem na lota de Matosinhos evidenciam uma degradação política nacional muito para além dos limites do admissível.
Não se trata de extrapolar consequências oportunistas da morte do Professor Sousa Franco, nem do facto das coisas se terem passado com o Partido Socialista. Elas poderiam ter sucedido noutro partido qualquer do regime e o malogrado professor permanecer vivo, que continuariam a revestir a mesmíssima gravidade, talvez ainda mais agravada porque, muito provavelmente, não lhe teriam sido retiradas as necessárias responsabilidades que, deste modo, inevitavelmente terão de ter.

O que se passou foi que, pela primeira vez na história da democracia portuguesa, num acto público de um partido político do arco governativo, dois caciques locais do mesmo partido não se coibiram de conflituar fisicamente em frente às câmaras da televisão, utilizando seguranças e agitando a populaça. O que estava em causa, ao contrário do que o Dr. António Costa disse, não foi uma simples agitação popular provocada por um «grande amor ao PS», mas uma luta canina por um poder autárquico corrupto, que confere posição prestígio e dinheiro, sustentado à conta dos contribuintes, e de uma lei e um sistema eleitoral que permitem a eternização destes figurões.

No «Dia de Portugal», com bandeirinhas e condecorações penduradas nas janelas e nos pescoços deste país, seria bom que os entediantes discursos da praxe, reveladores do reumatismo que atingiu o regime, ganhassem alguma dignidade e circunspecção, e denunciassem com clareza este lamentável estado das coisas, sugerindo uma reforma urgente e profunda do sistema político e das leis eleitorais. Por seu lado, o Partido Socialista e a sua actual Direcção só poderão recuperar a credibilidade ontem perdida, se correrem definitivamente com esses dois cavalheiros das suas fileiras, vedando-lhes o futuro acesso a listas eleitorais e a cargos políticos onde representem o partido, ainda que isso custe a Câmara Municipal de Matosinhos. Se isto não suceder, a partir do dia de ontem, o regime político não voltará jamais a ser o mesmo.