7.6.04

O «DILEMA DO PRISIONEIRO»



A «Teoria dos Jogos» desenvolveu na década de cinquenta um problema de ampla aplicação científica, que ficou conhecido por «Prisioner's Dilema» (PD) ou, aportuguesando, pelo «Dilema do Prisioneiro».
No essencial, a questão consiste no seguinte: que atitude deve tomar alguém que tenha sido detido pelos mesmos motivos e no mesmo momento que outra, ou outras pessoas, com quem operava em conjunto, sabendo que pode: a) colaborar com as autoridades e ver a sua situação muito beneficiada; b) manter-se calado na expectativa de que o outro, ou outros, não falem também, esperando que todos se reclamem inocentes; c) hesitar e ver-se denunciado.
Estamos, como é evidente, no campo da análise dos processos de decisão e nas teorias que os procuram compreender, cuja aplicação é tão vasta que oscila das Relações Internacionais à Ciência Política mais tradicional. Entre outras aplicações, ela pode ser muito útil dentro das organizações políticas nacionais e internacionais, que ligam um conjunto de pessoas por laços, por vezes, muito frágeis, cuja ruptura pode ser precipitada ou adiada por intervenientes individuais. Ao estudar as relações políticas entre os indivíduos, o que os faz manter ou desfazer os vínculos de associação e as alianças de poder, Nicolau Maquiavel talvez tenha sido o primeiro analista moderno dos sistemas políticos, à luz desta teoria.

Ora, ela aplica-se como uma luva ao momento que vive a actual coligação governativa e, em particular, às relações entre o PSD e o CDS, e entre José Manuel Durão Barroso e Paulo Portas.
Não é novidade para ninguém que esta aliança teve um parto contra-natura, que resultou de necessidades políticas emergentes e não propriamente de uma afectividade natural. Nem o líder do PSD (responsável, de resto, pela dissolução de uma coligação entre os mesmos dois partidos muito pouco tempo antes) tinha qualquer afeição natural pela coligação, nem a generalidade do seu partido estimava essa solução. Estavam ainda muito vivas as feridas que o líder do CDS abrira quando director do «Independente», a quem muitos imputavam a principal responsabilidade pelo desgaste do cavaquismo e pela ascensão do PS ao governo. A evolução da experiência governativa, apesar de nos ter revelado um Ministro da Defesa surpreendentemente contido, não esconde as clivagens desde sempre existentes que, aliás, a duração excessiva da crise económica em que o País está mergulhado não ajuda a fechar.
Nestas circunstâncias, e antevendo-se uma considerável derrota eleitoral da coligação governamental, precisamente na primeira experiência eleitoral conjunta, a questão que se colocará a partir do próximo domingo é esta: vai tudo ficar na mesma ou alguém partirá a loiça? Por outras palavras: qual dos dois prisioneiros políticos - Durão Barroso ou Paulo Portas - se deixará tomar pela tentação de ser o primeiro a cindir uma coligação que, cada vez mais, se apresenta dificilmente sustentável aos olhos dos seus militantes e dos eleitores, sabendo que essa ruptura lhe poderá trazer ganhos políticos?
É esperar para ver, embora os sinais emitidos, nos últimos dias, pelas respectivas entourages políticas, leve a crer que não será necessário aguardar muito tempo.