A abstenção nas eleições, de ontem, para o PE foi marcante. Dizer apenas que foi significativa, é pouco, dada a respectiva dimensão. Com efeito - e sem falar mais do caso português - a participação média das populações da Europa comunitária ficou-se por uns escassos 45,3 % dos recenseados. Segundo R. Prodi, há resultados «altamente insatisfatórios» nos dez novos Estados-membros, excepto em Chipre, onde o voto é obrigatório, e em Malta, com taxas de participação de 71,19 e 82,37 por cento, respectivamente.
Dito de outro modo, as populações desprezaram, literalmente, as eleições europeias. Alhearam-se, tiveram mais que fazer!
Claro está que existirão muitas razões específicas para que tal se tenha verificado, relativamente às eleições em causa. Também não tenho a certeza que este estado de coisas seja efectivamente alterável, relativamente às eleições Europeias, na medida em que parece existir aqui um relativo círculo vicioso e um pressuposto equívoco como ponto de partida - mas sobre isto, em especial, voltaremos noutra oportunidade e noutra posta!
Sem dúvida que, aparente e imediatamente, o próprio funcionamento tecnocrático e (supostamente) opaco das instituições comunitárias, assim como a desinteressante e cinzenta insuficiência de líderes carismáticos europeus, com projectos decisivos e cativantes para as pessoas e de que o próprio Romano Prodi é uma amostra significativa, a crónica repulsa pela defesa de causas fracturantes (mas fundamentais) que se tem vivido na Europa (entenda-se, nos próprios Estados-membros que ainda vão sendo quem constrói a União Europeia), serão seguramente responsáveis pelo estado da abstenção.
No entanto e independentemente do particular caso das eleições Europeias, o facto é que, ultimamente, a tendência abstencionista tem marcado presença um pouco em todo o lado. Por exemplo, a abstenção nas eleições presidenciais americanas em 2000 atingiu quase os 50% (em rigor, 48.7% - ver posta do Blasfemo J. Miranda de 10.06.2004 - Abstenção - Mitos e realidade).
Assim, impõem-se algumas questões sobre a abstenção, em geral:
- causas mediatas ? - para além das circunstanciais e esporádicas (preguiça, bom ou mau tempo, futebol, praia, ?pontes? ou ausência delas, etc., etc.)?
- Carácter negativo ou,...nem por isso? Há ou não que combater esta tendência?
- A tendência abstencionista representa uma "doença" do funcionamento democrático ou é simplesmente uma consequência natural (histórica, social, económica e política) da liberdade individual?
- Será que, ao invés do que se diz, mais não é do que o sinal de que, afinal de contas, os cidadãos entendem que as instituições funcionam já em "velocidade cruzeiro" democrática e constitucionalmente sedimentada e, portanto, não têm que se preocupar - sobretudo, não sentindo necessidade de votar? Mas então, se assim é, o que sucede à componente "representativa" da democracia?
- Haverá outras formas de legitimação (justificação para o exercício do poder) da democracia (organização do exercício do poder) que devam ser, em paralelo, incorporadas no lastro (e tradição) constitucional democrático - v.g., J. Buchanan e Tullock?
- Será que, como afirmava Weiler já em 1995, a propósito da hipotética "Constituição" Europeia (Does Europe Need a Constitution?) precisamos de "um novo Constitucionalismo", ou a abstenção não é mais do que uma consequência normal e legítima do constitucionalismo tradicional?