Um dos pressupostos políticos do liberalismo, talvez mesmo o mais importante, é a noção de que o voluntarismo é um dos principais pecados que a política e os políticos podem cometer. À ideia de que a ordem social se muda ao sabor das vontades de quem governa e manda, ou, pelo menos, que muda para melhor, o liberalismo responde com a «mão invisível» e com a convicção no «ordinalismo» social, isto é, com a ideia de que são os indivíduos, nas relações que entre si estabelecem, quem determina a evolução lenta e sedimentada das sociedades. De resto, quando as mudanças são abruptas e radicais, fruto precisamente de actos unilaterais da vontade de quem governa ou quer vir a governar, as consequências costumam ser nefastas e muito desagradáveis. Para os governados, obviamente.
Este cepticismo liberal não encerra qualquer visão pessimista do género humano, ao invés do que sucede com a direita tradicional. Pelo contrário, ele é somente realista, vá lá, pessimista, em relação a quem governa e às sempre apregoadas boas intenções e nobres objectivos dos políticos. No mais, é profundamente optimista, desde logo, porque acredita na capacidade individual como fonte privilegiada para a resolução dos problemas dos cidadãos, preferindo-a manifestamente aos eventuais talentos ou carismas de quem governa.
Isto prende-se, obviamente, com as consequências das eleições de ontem.
A campanha eleitoral decorreu, à esquerda e à direita, sob o signo da mudança e da novidade. Todos os partidos prometeram mudar Portugal e fazer dele um país novo. Prometeram, evidentemente, o que não podem cumprir. Oa países e as sociedades humanas, na sua infinita complexidade, não se transformam por actos de vontade, menos ainda resultantes de actos eleitorais emotivos.
O que os portugueses esperam do novo governo é que ele mude substancialmente as suas miseráveis condições existenciais. Não esperam rigor, nem explicações sobre o estado do país. Isso já eles conhecem perfeitamente (Barroso e Ferreira Leite passaram quase três anos a explicá-lo) e foi precisamente por estarem fartos disso que votaram em massa contra os partidos do governo, isto é, no PS, na CDU e no BE. Ora, não é crível que nos próximos anos o país melhore assim tão significativamente. As razões são muitas e poderíamos perder dias a fio a descrevê-las, mas basta realçar a seguinte: Portugal é um país estruturalmente pobre e subdesenvolvido, que se não preparou para a integração europeia, encontrando-se agora irremediavelmente sujeito à agressiva concorrência externa. Julgo que basta.
Veremos, então, quanto tempo vão andar os portugueses iludidos, antes de cairem na próxima depressão.