20.11.06

Eu prefiro que seja Deus


Rui,

Este é o post que lhe prometi.

Se a pergunta do referendo fosse "Concorda com a descriminalização da IVG?", a minha resposta seria um enfático "Sim" (1). Às mulheres seria então concedido o direito individual a abortar - e um direito, possuindo, por isso, um carácter negativo.

Porém, a pergunta que é proposta no referendo possui um carácter muito diferente. O "Sim" implica agora o reconhecimento de um direito social a abortar, um direito possuindo um carácter positivo, em que, em última instância, todos os cidadãos, através do Serviço Nacional de Saúde, são chamados a assumir a obrigação de satisfazer esse direito. A minha resposta agora é "Não".###

Porém, este seria um mal menor que eu estaria disposto a ultrapassar não fosse a questão das "dez semanas".

Na nossa tradição cristã, o começo da vida humana ocorre no momento da concepção e o seu termo só é aceitável por causas naturais ou acidente. O começo e o fim da vida humana são então fenómenos aleatórios atribuíveis ao acaso, e fora do domínio da deliberação humana.

Às determinações do acaso, e à presumível vontade que se esconde por detrás dessas determinações, a humanidade deu frequentemente um nome - Deus. A solução de Deus maximiza a esperança de vida humana.

O detalhe das "dez semanas" traz para o domínio dos homens a definição do começo e do termo da vida humana. Por causa da sua perfeita arbitrariedade, as "dez semanas" passarão rapidamente para quinze, para vinte e para trinta e duas, para logo a seguir se entrar no campo do infanticídio institucionalizado. Veja os casos da Holanda (Protocolo de Groningen) e da Bélgica. Veja também as teses de Peter Singer nos EUA.

É claro que quem define o início da vida humana acabará também a definir o seu fim, bem como as vidas que merecem ser vividas e aquelas que não merecem ser vividas.

Você, creio, acha que deve ser o Estado a definir estas matérias, porque é para aí que o "Sim" inevitavelmente conduz. Eu prefiro que seja Deus.


(1) http://alfa.ist.utl.pt/~mcasquil/text/opi/o_PArroja.html