28.2.07

Liberdade ordenada


Uma vez eleito, o Papa exerce as suas funções de forma vitalícia e com um poder absoluto sobre a hierarquia da Igreja, sem estar sujeito a qualquer controlo, nem mesmo do colégio de cardeais que o elegeu. O poder do Papa é um "poder pleno, supremo e universal, que pode sempre livremente exercer" (Catecismo: 878). Não existe, e provavelmente nunca existiu, uma instituição que reconheça ao seu líder uma autoridade tão extraordinária como a Igreja Católica reconhece ao Papa. Na minha opinião, reside aqui um dos mais importantes segredos da sua longevidade milenar e do seu sucesso civilizacional. ###
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Não estando sujeito a nenhum controlo e não tendo de prestar contas a ninguém, dir-se-ia que o Papa reune todas as condições para se tornar um tirano. A verdade, porém, é que os tiranos foram a excepção na história da Igreja, não a regra. Na realidade, não estando o seu poder ameaçado por ninguém, o Papa pode dar liberdade plena a todos aqueles que, sob a sua autoridade, servem a Igreja - desde que essa liberdade não seja utilizada para abalar os alicerces da Igreja, de que ele é o guardião supremo.
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Ainda assim, dir-se-à, nada impediria o Papa de se tornar um tirano para com todos os homens que servem a Igreja. Tal não acontece porque só na aparência o Papa não está submetido ao controlo de ninguém e não presta contas a ninguém. Na realidade, ele presta contas a alguém, só que esse alguém não é deste mundo. Ele presta contas a Deus. E Deus não aprovaria que ele utilizasse o seu poder para oprimir os homens, em lugar de o libertar.
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A enorme liberdade de que goza o clero da Igreja Católica - e que permitiu à Igreja sobreviver a todas as dissidências - é uma consequência directa da autoridade absoluta do Papa. E esta autoridade torna-se o instrumento indispensável à liberdade - não uma liberdade qualquer, mas uma liberdade ordenada que permite tudo, excepto a destruição (da Casa de Deus).
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Resulta também do exposto que esta liberdade ordenada - a única que é valiosa, porque é uma liberdade não-destrutiva - não pode nunca existir sem um profundo sentimento religioso porque é este sentimento que permite retirar o Papa do controlo dos homens e pô-lo sob o controlo de Deus. Por isso, eu estou hoje muito convencido de que a verdadeira liberdade - a liberdade ordenada - nunca poderá prevalecer numa população constituída predominantemente por ateus e agnósticos.
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Sem o sentimento religioso, o Papa ficaria sujeito ao controlo dos homens, e não de Deus - por exemplo, do colégio de cardeais que o elegeu. E as ambições humanas rapidamente levariam cada um dos seus membros a ambicionar o lugar do Papa, desencadeando a intriga e a luta pelo poder que mais cedo ou mais tarde teriam convertido a Igreja no exemplo acabado da opressão - e que, há muito, teriam ditado a sua extinção.
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Por isso, liberdade - no sentido de liberdade ordenada ou não-destrutiva -, não existe sem autoridade. E a autoridade não existe sem religiosidade.