27.2.07

O Estado, condição sine qua non do Liberalismo.

1. Para Thomas Hobbes, "A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito..." que "Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos os nossos fins".

Para o mesmo autor, "durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens" pelo que, na ausência do referido poder comum "a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, selvagem e curta".

Pelo seu lado, Jean-Jacques Rousseau, criticando Hobbes, mantinha que "a piedade é um sentimento natural, que, moderando em cada indivíduo a actividade do amor de si próprio, concorre para a conservação mútua de toda a espécie".
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Hamilton e Dawkins, já no século XX, ajudaram-nos a tornar compatíveis as duas perspectivas. A perspectiva evolucionista, colocando em relevo o que poderia ser o mecanismo biológico fundamental – a conservação, não apenas do indivíduo, mas sobretudo dos genes, oferece uma visão integrada para a questão da relação entre egoísmo e altruísmo. A conservação dos genes pode exigir, num momento, egoísmo, e noutro momento, altruísmo, que são tudo menos incompatíveis - pelo menos no que respeita a grande parte das pessoas.

2. A visão de T. Hobbes, inspirada pelos relatos das sociedades sem Estado encontradas pelos europeus na América, é certamente compatível com observações contemporâneas da quebra da autoridade estatal, seja de forma temporária, por exemplo na sequência de catástrofes naturais, seja de forma prolongada (nos chamados failed states).

A passagem do furacão Katrina por New Orleans, em 2005, e a falência temporária da acção do Estado, associou-se, tal como em numerosos outros relatos similares, a sordidez e a selvajaria. Sem Estado, não há civilização.

3. É possível a vida humana sem Estado, a sociedade sem Estado. Nesta, existe a liberdade do mais forte – por exemplo, a liberdade para cometer homicídio. Tal sociedade e tal liberdade, contudo, nada têm a ver com o Liberalismo.

O Liberalismo, pelo contrário, representa a evolução da organização social na dependência de um Estado. O Liberalismo representa uma forma elaborada e historicamente evoluída do estatismo. Não existe Liberalismo sem estatismo, sem a existência de Estado. Sem Estado, não existe o Liberalismo, mas poderá existir uma vida "solitária, pobre, sórdida, selvagem e curta".

A liberdade individual, entendida como a liberdade da generalidade dos indivíduos, no contexto de uma dada civilização, não é incompatível com a existência de um Estado. Muito pelo contrário, a existência de um Estado é uma condição sine qua non para a liberdade individual (mas certamente não é condição suficiente). O facto de muitos Estados terem optado pela via do totalitarismo, ou seja, a frequente existência de Estados iliberais, não estabelece, nem o Liberalismo como doutrina contrária à existência de Estado, nem o Estado, como entidade incompatível com o Liberalismo.

José Pedro Lopes Nunes