28.2.07

não é flôr que se cheire


Quando, recentemente, elaborei uma série de posts sobre o Estado Novo, e procurei documentar a supremacia da sua performance económica, eu tinha em vista salientar que alguns dos princípios económicos em que assentou o Estado Novo representam regras permanentes e eternas de boa gestão económica e social - e que podem igualmente ser praticadas em democracia.
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E, quando, hoje, alarguei o âmbito dos meus posts ao período do Liberalismo, eu pretendi ilustrar que o liberalismo português, tal como foi praticado no século XIX, não é flôr que se cheire. Na realidade, ele representa, nos dois últimos séculos, o período em que Portugal mais se atrasou em relação à Europa.###
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E eu fiz tudo isto, porque estou convencido que Portugal está à beira de viver a maior recessão económica de que há memória desde a década de 70. Os primeiros sinais - se é que não há já outros, como a enorme subida do desemprego nos últimos meses - podem ter sido dados hoje.
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A Bolsa de Nova Iorque caíu hoje como já não caía há quase seis anos, desde Setembro de 2001. E as Bolsas europeias foram atrás. A queda foi desencadeada na China, cuja Bolsa desceu 9% em resultado de notícias que sugerem um abrandamento significativo do crescimento da economia chinesa. Ao mesmo tempo, o ex-Presidente da Reserva Federal americana, Alan Greenspan, veio dizer em público que prevê para o final do ano uma recessão nos EUA.
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As recessões, hoje em dia - em resultado da globalização dos mercados -, tendem a ser globais, e sendo desencadeadas simultaneamente pelos EUA e pela China, então, é certo que ninguém lhes escapa. Portugal, certamente, não vai escapar. E o problema é que Portugal não tem nenhuma capacidade para amortecer uma recessão importada, que venha juntar-se a uma recessão que já existe internamente e que dura há, pelo menos, seis anos (o crescimento médio da economia portuguesa tem sido de 0.5% ao ano, quando um crescimento normal teria sido de 3%).
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Sem a política cambial e sem a política monetária, que desapareceram com o euro, a única possibilidade para amortecer a recessão seria a política orçamental, reduzindo os impostos ou aumentando a despesa pública. Porém, com uma despesa pública que já representa quase metade da economia nacional, e sob grande pressão da UE para reduzir o défice orçamental - redução que implica o aumento dos impostos e a redução da despesa pública - o país apanhará com as duas recessões em cima, sem qualquer possibilidade de reagir.
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Os subsídios que Portugal recebeu ao longo dos últimos vinte anos tinham em vista aproximar o nível de vida dos portugueses à média europeia, ao mesmo tempo que permitiriam conter as despesas públicas por forma a deixar uma folga que pudesse servir de amortecedor, em caso de uma recessão. Não só não houve qualquer progresso na aproximação do país à média comunitária, como as despesas públicas não deixaram de aumentar a ponto de atingirem 48% do PIB em 2005.
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Apesar dos esforços meritórios deste Governo, os resultados - se forem conseguidos, o que é pouco provável - serão marginais, colocando a despesa pública em 46.3% do PIB em 2006 e 45.4% em 2007. E é pouco provável porque, numa recessão, os impostos tendem a cair face às previsões orçamentais e as despesas tendem a aumentar - especialmente as despesas sociais, como os subsídios de desemprego.
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Estaremos nós preparados para lidar com a crise económica e social que, na minha opinião, está em vias de acontecer? A minha resposta é, claramente, não. Pois se nós não conseguimos sequer lidar com o passado, reconhecendo, por exemplo, as soluções económicas do Estado Novo ou os erros económicos e sociais (principalmente, estes) do Liberalismo, como é que vamos ser capazes de lidar com o presente e, sobretudo, com o futuro?
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E não vale sequer a pena remeter a culpa para o Estado e para os governantes, desculpando amavelmente a chamada sociedade civil. Porque, numa democracia, os governantes - todos os governantes, deste governo e dos governos anteriores - são uma emanação da sociedade civil.