5.5.07

Clássicos - 2

«Da liberdade de pensamento e de expressão

Espera-se que já tenha passado a altura em que era necessário defender a liberdade de imprensa como uma das garantias contra um governo corrupto e tirânico. É lícito supor que já deixou de ser necessário qualquer argumento contra a existência de um poder legislativo ou executivo não identificados com os interesses dos cidadãos, que lhes ditem opiniões e determinem quais as doutrinas ou argumentos a que lhes é permitido prestar atenção.###

Além disso, este aspecto da questão já tem sido abordado tantas vezes e de modo tão triunfante por outros escritores que não existe necessidade de voltar a insistir nele aqui. Embora a lei inglesa sobre a questão da imprensa seja ainda tão subserviente como no tempo dos Tudors, existe muito pouco perigo de ela entrar, de facto, em vigor contra a discussão política, excepto durante algum pânico passageiro, quando o medo da insurreição levar ministros e juízes a afastarem-se da sua boa conduta; e falando de um modo geral, não é compreensível que, em países constitucionais, o governo, quer seja, ou não, totalmente responsável perante o povo, tente muitas vezes controlar a expressão de opinião, pois, ao fazê-lo, ele torna-se o órgão da intolerância geral do público.

Suponhamos, portanto, que o governo está inteiramente de acordo com o povo e nunca pensa em exercer qualquer poder de coerção, a menos que isso esteja de acordo com o que imagina ser a voz dele.

Mas eu nego o direito do povo de exercer tal coerção, quer por si próprio, quer através do seu governo. O poder em si é ilegítimo. O melhor governo não tem mais direito a ele do que o pior. É tão pernicioso, ou ainda mais, quando exercido de acordo com a opinião pública, como quando esta se lhe opôe.

Se todos os homens menos um fossem da mesma opinião, e apenas um indivíduo tivesse a opinião contrária, aqueles não teriam mais justificação para silenciar esse indivíduo do que este, se tivesse o poder, teria justificação para silenciar todos os outros.

Se a opinião fosse um mero bem pessoal, com valor apenas para o seu proprietário; se o impedimento do prazer de a desfrutar constituísse simplesmente um prejuízo pessoal, faria alguma diferença se este afectasse apenas algumas pessoas ou a muitas.

Mas o estranho mal de silenciar a expressão de uma opinião é que isso defrauda a raça humana; não só a geração actual, como a posteridade; os que divergem da opinião, ainda mais que os a detêm. Se a opinião estiver correcta, eles ficam privados da oportunidade de trocar o erro pela verdade; se ela estiver errada, eles perdem, o que constituiria um benefício tão grande, a percepção mais nítida e a ideia mais vivida da verdadde, produzida pela sua colisão com o erro.»

John Stuart Mill, (1808-1873), in «Sobre a liberdade», (Ed. Europa-América, 1997)