Sugere Rui Tavares: «perguntemos a um jovem casal: preferem trabalhar menos dois dias para 'os impostos' ou trabalhar mais dois dias em troca da expansão da rede pré-escolar pública a todo o país?» Perguntar podemos mas valerá e pena? Comecemos pelo próprio raciocício que está subjacente à pergunta: pagamos mais impostos e recebemos directamente mais e melhores serviços públicos?
Em tempos acreditou-se de tal modo nessa reciprocidade que até tivemos direito a um domingo de Outubro de 1974 transformado em Dia de Trabalho para a Nação. ###
Durante meses alimentaram-se polémicas em torno dos 13 mil contos obtidos com essa dádiva dos portugueses. De alguma forma a incerteza acerca do destino dessa verba é simbólica da grande pergunta que temos para nos fazer: para onde vai o dinheiro dos nossos impostos? Mais do que para criar serviços e riqueza os impostos dos portugueses têm servido para aumentar a máquina estatal. Esta cresceu de tal modo que não se limita a absorver boa parte da riqueza nacional como, em muitos casos, abafa a capacidade de iniciativa da sociedade e contribui para a degradação da qualidade da democracia. Veja-se por exemplo o que sucede nas localidades onde as autarquias e os demais serviços do Estado são não só os grandes empregadores como as entidades pelas quais passam todos os negócios: o poder dificilmente muda de mãos e as cumplicidades multiplicam-se.
Enquanto os portugueses continuarem a ser encarados como um bolso sem fundo jamais a máquina estatal se sentirá obrigada a rever o seu modo de funcionamento.Repeguemos novamente no exemplo de Rui Tavares: a rede pré-escolar pública. Dotada sem dúvida de bons profissionais e frequentemente de excelentes instalações, cabe perguntar para que serve uma rede escolar que não tem horários compatíveis com os do mundo do trabalho dos pais e famílias? Para que serve uma rede escolar ondo somos obrigados a inscrever os nossos filhos na escola A ou B, consoante a nossa área de residência ou outros quaisquer critérios administrativos? O que falta à rede escolar não são mais dois dias de trabalho dos casais sejam eles jovens ou idosos mas sim concorrência. Todos sairíamos a ganhar se o Estado entregasse a verba que gasta com cada aluno à escola pública ou privada escolhida por cada família para colocar as suas crianças.
Por outro lado não é leal colocar a questão no jovem casal como faz Rui Tavares. Boa parte do do dinheiro dos nossos impostos tem servido para garantir os chamados direitos adquiridos. Mas adquiridos por quem? Pelas gerações mais velhas. A demografia e a globalização avisam-nos que esses direitos não podem ser mantidos para as gerações futuras. O jovem casal está refém do discurso ideológico que se produziu em torno do estado social. Concebido como uma forma de solidariedade, o estado social hoje em dia está também a servir para garantir a algumas gerações um padrão de vida e direitos sociais que os seus filhos e netos não poderão vir a ter. O jovem casal não deve dar mais dinheiro à nação mas sim interrogar-se sobre o que nação anda a fazer com o seu dinheiro.
*PÚBLICO, 22de Maio