23.5.07

País de Subúrbios

É muito fácil saber se numa determinada cidade existe ou existiu controle de rendas. Se as casas do centro estiverem bem conservadas e habitadas, o mercado funciona. Se grande parte dos edifícios estiverem abandonados ou degradados, temos à vista os efeitos sempre repetidos de rent control.

Uma cidade em que esse contraste era evidente era Los Angeles, no início dos anos 90. Bastava entrar em Santa Mónica para perceber que algo corria mal por ali. A degradação de grande parte do parque habitacional tinha uma explicação linear: Santa Mónica era uma das poucas “cidades” da grande LA com rendas controladas. Ainda hoje é assim.

A Lei das Rendas e as suas variantes que vigoraram em Portugal desde o tempo de Salazar, não contribuíram só para estragar o centro das cidades. Foram também uma das principais causas da desertificação do interior. ###

Ao contrário do que acontece noutros países, em Portugal, as pessoas que foram viver para as cidades em busca de melhores condições económicas, raramente regressam à terra natal quando de reformam. Não é por falta de vontade. O problema é que é impossível conseguir em Freixo de Espada à Cinta uma habitação tão económica como a que arrendaram no centro de Lisboa nos anos 50.

A situação é, agora, muito difícil. Se o preço das rendas tivesse acompanhado gradualmente a evolução da economia, a renovação teria sido quase automática e indolor. À medida que alguns residentes do centro sentissem que o espaço que ocupavam se estava a tornar demasiado caro, teriam procurado outras localizações mais económicas e o centro teria sido renovado com uma nova vaga. É o que acontece em todas as cidades normais, em que a todos os momentos há espaços disponíveis a preços que são apenas determinados pelo equilíbrio entre procura e oferta.
Em Portugal, nada disto aconteceu. Os centros das cidades ficaram ocupados por idosos, com baixo poder de compra, a viver em casas confiscadas a proprietários empobrecidos. Os novos ‘imigrantes’ não encontram casas nos centros porque as que não estão habitadas fugiram da legislação assassina do mercado de arrendamento. Foi a partir do momento em que os senhorios perceberam que a lei das rendas era uma expropriação encapotada do seu património que o mercado de arrendamento morreu.

O que se passa com a habitação é semelhante ao que se passa com o comércio. A eternização de algumas lojas de péssima qualidade em zonas que se pretendem nobres, deve-se única e exclusivamente ao facto dos lojistas não pagarem nem uma fracção do valor do espaço que ocupam. As grandes cadeias, não só não encontram espaços em quantidade e qualidade, como, quando os encontram, são obrigadas a conviver com a má vizinhança de um comércio esclerosado e raquítico.
Durante muitos anos, a alternativa para quem procurava casa, foi o endividamento bancário, promovido por legislação fiscal vantajosa, quer para bancos quer para os compradores de habitação própria. É espantoso como um sistema pode ser tão iníquo a ponto de ser mais barato comprar casa do que arrendá-la, por razões puramente fiscais e legislativas.

A próxima geração tem um problema diferente. Esta já não é a geração que ocupou o centro das cidades. É a geração com casa própria, que, em muitos casos, alienou o património familiar em nome de melhor habitação. Com os centros fora do mercado, as escolhas recairam quase sempre nos subúrbios. A geração anterior não voltou à terra porque seria um mau negócio abandonar uma casa no centro de Lisboa. A próxima já não tem terra para regressar. Com o recurso generalizado à aquisição de casa própria, agravado pela omnipresença de impostos anacrónicos (sisa, IMT), a mobilidade dos portugueses desceu para níveis mínimos.

Desertificaram-se os centros das cidades e o interior. Somos um país de subúrbios.