22.5.07

Re:Defender os poderes adquiridos

Escreve o Daniel Oliveira:

Para João Miranda, o casamento tem servido para «regular os impulsos sexuais». Acredito que ache mesmo que o casamento deveria servir para acabar com todos impulsos sexuais, essa manifestação absoluta de liberdade individual.




O Daniel Oliveira quer discutir coisas séria mas é totalmente incapaz de distinguir juízos de facto de juízos de valor. Por eu ter dito que o casamento tem servido para regular os impulsos sexuais (juizo de facto) conclui que eu defendo que o casamento deveria (juizo de valor) acabar com todos os impulsos sexuais. É uma alegação extraordinária tendo em conta que eu defendo que o casamento deve ser voluntário e que as uniões legais devem ser à escolha do freguês. O Daniel está mal habituado. Pensa como um estatista e acha que todos os outros pensam como estatistas. Repare Daniel que o facto de alguém reonhecer que uma instituição desempenha uma função não implica que essa pessoa queira impor essa instituição a todos. Apenas implica que quem estiver interessado nessa função deve ter o direito de optar.
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Adoro estes liberais, que ficam doentes quando falamos de regulação da economia, mas que querem o Estado e a lei deitados na nossa cama todas as noites. E, vejam bem, a regular o nosso desejo e o que fazemos com ele, a propriedade mais privada que o Senhor nos deu.



Mais uma vez o Daniel revela falta de imaginação. O facto de o casamento existir e de ser uma opção, entre muitas outras, não obriga ninguém a aderir a ele. A única função que atribuo ao Estado no caso do casamento é o de juiz na resolução de contratos e na avaliação do direito de marca. Não cabe ao Estado regular o desejo ou o que quer que seja, mas as pessoas, em total liberdade devem poder optar por um contrato de autoregulação. Ou não. O problema do Daniel é que não consegue conceber um mundo em que as pessoas optam livremente por se auto-regular, pelas suas razões e não pelas razões do Daniel. O Daniel defende um mundo de clones em que todos vivem como o Daniel, pensam como o Daniel e que necessitam das mesmas coisas que o Daniel. Acontece que existem pessoas com outras necessidades e essas pessoas devem poder optar por instituições de auto-regulação.

E escrevem coisas maravilhosas como estas: que o casamento «é uma instituição milenar que precede o Estado moderno e as religiões organizadas existentes».


Mais uma vez é um facto. Já havia casamentos antes do código de Hammurabi. Já lá vão 4000 anos. E havia certamente uniões reconhecidas pelos pares muito antes disso. O Estado Moderno tem uns 300 anos se tanto. E as religiões organizadas existentes têm menos de 3000 anos.

Não é bem assim, mas adiante. Devo recordar que a escravatura também o é. Ou seja, que o Estado moderno tem destruído, e bem, todas as instituições milenares que dão a alguns humanos o direito de posse sobre outros humanos.


Pois, mas o contrato de casamento não dá direito de posse de ninguém sobre ninguém por coerção. É um contrato voluntário a que só adere quem quer. O que o Daniel está a defender é que as pessoas, para bem delas (argumeto paternalista) devem perder a liberdade de se sujeitar aos contratos que mais lhes interessem.

E é por isso mesmo que o casamento só pode e só deve sobreviver por vontade de duas pessoas, por mais milenar que seja esta estimável instituição.


O Daniel tem o direito de decidir isso sobre as suas uniões. Sobre as uniões dos outros não tem. Os outros devem ter o direito de optar em liberdade por fórmulas de casamento em que o divórcio é dificultado. É uma questão de liberdade. Liberdade de escolher que casamento cada um quer ter. Ah, e nos contratos a liberdade exerce-se no momento da assinatura do contrato e não a meio.


Na verdade, estes "liberais" acreditam na liberdade das empresas, mas odeiam a liberdade dos indivíduos, que os transporta para o pesadelo do caos. A questão deles não é, na realidade, a liberdade. São as limitações à liberdade de quem sempre a teve: seja o patrão ou o chefe de família. Eles nada têm contra o Estado. O problema deles é o Estado Democrático, que deve defender a liberdade de todos os cidadãos por igual. O problema deles é que a liberdade democrática, a liberdade de todos os cidadãos, limita a liberdade dos poderes de sempre.


Ou seja, defender a total liberdade contratual é ser contra a liberdade. Proibir determinadas formulas contratuais como o Daniel pretende é ser pela liberdade. Interferir com contratos em vigor, livremente aceites, é, para o Daniel, ser pela liberdade. É a liberdade de quebrar contratos sem ser punido por isso. Para o Daniel, as pessoas têm a liberdade de casar, mas desde que o contrato especifique a fórmula de divórcio que o Daniel acha que é boa.


São, na realidade, mais conservadores do que qualquer anti-liberal.


É a confusão em liberalismo e progressismo. Para o Daniel quem não é progressistas só pode ser conservador. É um falso dilema. Progressismo é o oposto do conservadorismo. O liberalismo é tão contra o progressismo político como contra o conservadorismo político e neutro em relação ao progressismo social e o conservadorismo social.

Para que fique clara a minha opinião. Uma posição possível: o casamento é um contrato onde os afectos são irrelevantes. Assim, o fim dos afectos não pode ser argumento suficiente para terminar este contrato. Quem pensa assim, não pode aceitar que a obrigação da fidelidade conste no contrato.


Isso é irrelevante. Quem tem o direito de decidir os termos do contrato é quem se casa não é o Daniel. Se as pessoas acham que devem casar por afecto e se devem ter uma cláusula de fidelidade estão no seu direito. As pessoas têm o direito de casar sem afecto, com afecto, com cláusulas de fidelidade ou sem elas. E têm o direito que o Daniel não lhes mude as cláusulas a meio do contrato e que o Daniel não lhes esteja a dizer por que razão é que se devem casar ou divorciar.

Outra posição possível: os afectos são relevantes e ao dever de fidelidade tem de corresponder o direito a não manter um contrato quando os afectos acabam.


Mais uma vez irrelevante.

O que não é possível sustentar é as duas coisas em simultâneo: o dever de ser fiel sem o direito de acabar com o contrato do casamento quando essa mesma fidelidade só é possível através da abstinência sexual ou da relação sexual por obrigação.


Quem tem que decidir isso é quem casa, não é o Daniel. Se as pessoas quiserem submeter-se a um contrato com o direito de ser fiel sem o direito ao divórcio estão no seu direito. Mas lembro que o que o Daniel defende não é apenas o direito ao divórcio. É o direito ao divórcio sem penalização.


Recordo que a não consumação do casamento é razão para a sua anulação.


Pode ser ou não ser. As pessoas podem optar por um contrato de casamento sem terem em vista a consumação. O Daniel não tem nada com isso.

Decidam-se: ou o casamento trata de bens e de recursos e não inclui obrigações relacionadas com o afecto (simpatizo com essa possibilidade), ou inclui a regulação dos afectos e eles não podem ser desprezados nas condições para a exequibilidade do casamento.


Não há nenhuma razão para optar. Alguns casamentos poderão ter cláusulas sobre bens e recursos outros cláusulas relacionadas com os afetos. O Daniel não tem que optar. Quem tem que optar são cada um dos que pretendem casar em relação a si mesmos. Não tem que haver uma fórmula igual para todos. O problema das propostas do Bloco é que elas pretendem ser liberais mas na verdade o que acabam por criar é soluções únicas para problemas que dependem muito dos casos particulares.


Claro que neste casamento milenar de que João Miranda fala nada disto é relevante.


E que é que isso interessa? O Daniel ainda não percebeu que o casamento tradicional tem que ser uma opção? Que as pessoas não podem ser impedidas de continuar a casar como têm casado até agora?


Porque não era suposto, de facto, que uma das partes (a mulher) tivesse direitos.


Esse é um argumento curioso. Que direitos é que hoje em dia o homem tem que a mulher não tenha no contrato de casamento?


Mais: os afectos não eram relevantes. Relevante era a posse do homem sobre a mulher. O casamento de que fala João Miranda está em vias de extinção.


Nesse caso qual é o problema de o manter enquanto opção? Qual é o interesse em criar leis que tornam o casamento tradicional inviável? Porque é que o Daniel não defende a existência de múltiplos contratos em concorrência? Tem medo que, se as pessoas puderem optar acabem por optar pelo casamento tradicional?