29.5.06

Um euro é um euro é um euro

1. Parece ser um dos insights mais difíceis de atingir: um euro é um euro é um euro. Isto é, é totalmente irrelevante o nome que se dá a um determinado item numa factura. O que interessa é o valor total que o cliente paga.

2. O chamado "aluguer de contador" pode em tempos ter sido um verdadeiro aluguer de contador. Mas actualmente não é. É apenas um nome que se dá a uma parte ou à totalidade da componente fixa do preço do serviço prestado.
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3. Muitas pessoas estão certamente convencidos que o subsídio de férias é uma grande conquista dos trabalhadores. O que não sabem é que todo o dinheiro pago no subsídio de férias é descontado no salário dos outros meses. Se por acaso o governo decretasse o pagamento obrigatório do 15º mês, o efeito a médio prazo no salário total seria nulo. As empresas reagiriam ajustando os salários para baixo para compensar o pagamento do 15º mês.

4. A DECO também está convencida que os consumidores vão poupar dinheiro com o fim do chamado "aluguer de contador" (6 euros por mês, ao que parece, essencialmente no sector da distribuíção da água). Acontece que o serviço prestado tem ser pago de uma forma ou de outra. Por isso, ou as câmaras subsidiam a àgua, ou mudam o nome ao actual "aluguer de contador" chamando-lhe outro nome qualquer. Mas uma coisa é garantida: alguém vai ter que pagar.

5. Aliás, nomes alternativos para o "aluguer de contador" não faltam. Podem-lhe chamar "taxa de potência" (nome usado pela EDP), "quota de serviço" (EPAL) ou "assinatura" (Portugal Telecom).

6. Ou então podem adoptar um sistema de consumo mínimo ou de preços variáveis em que os primeiros consumos custam mais. Vai dar ao mesmo.

7. A separação do preço entre uma componente fixa e uma componente proporcional ao consumo não é, ao contrário do que muitos leitores pensam, o resultado de práticas monopolistas. Aliás, em alguns sectores a concorrência até fez aumentar o peso da componente fixa da tarifa. Nos Estados Unidos a tendência da rede de telefone fixo é para um sistema de assinatura mensal com chamadas gratuitas.

8. Ao contrário do que muitos leitores parecem pensar, a EDP não vende apenas electricidade. Vende electricidade e disponibilidade de electricidade. São dois produtos diferentes. No primeiro caso garante-se uma determinada quantidade de electricidade. No segundo caso, garante-se que a electricidade estará lá ao mesmo preço qualquer que seja a procura. Por isso faz todo o sentido que cada um destes serviços seja pago separadamente.

9. A EDP para conseguir garantir o fornecimento no pico da procura tem que fazer investimentos muito superiores aos necessários para suprir a média da procura. O problema não é propriamento o custo de ligar e desligar os geradores mas sim o investimento necessário para os ter disponíveis.

10. Argumentos similares aplicam-se a outras redes. As empresas de distribuição de água têm que garantir pressão de água mesmo no pico da procura, as empresas de gás idem e as empresas de telecomunicações têm que garantir linhas disponíveis a qualquer hora.

11. Não adianta argumentar com os telemóveis sem assinatura nem recarregamento obrigatórios. Esses serviços são marginais, destinam-se a nichos, são mais caros e/ou só são possíveis porque os custos fixos da rede já se encontram pagos pelos serviços padrão destinados à maioria dos clientes.

12. Mesmo quando o fornecedor é monopolista, os defensores dos consumidos prestam um mau serviço a quem supostamente defendem quando atacam a componente fixa do preço. Em primeiro lugar porque tal estratégia ilusória uma vez que não impede o monopolista de cobrar o mesmo valor através da componente variável (aquilo que for retirado à componente fixa será adicionado à componente variável). E em segundo lugar porque separação do preço entre uma componente fixa e outra variável é a forma mais justa de cobrar os serviços prestados.