14.12.06

Democracia-liberal


Para os cidadãos de uma democracia-liberal o principal valor é a democracia, não a liberdade. E se a democracia é também uma liberdade - a liberdade de representação política - ela torna-se a liberdade fundamental porque é ela que permite, através da eleição de governos da maioria, realizar uma das grandes paixões da humanidade, certamente da humanidade cristã - a igualdade.###

Numa democracia-liberal, a liberdade - no sentido de liberdade individual - é um valor acessório, instrumental, com a qual os cidadãos vivem uma relação que é ao mesmo tempo uma relação de amor e ódio. Eles estão prontos a encorajar o exercício da liberdade sempre que vejam nela uma tecnologia eficaz para produzir igualdade, e este é certamente o caso da liberdade económica. Por isso, as democracias-liberais acabam, com o tempo, por se render às seduções de uma economia de mercado.

Aquilo que as democracias-liberais não toleram é o uso da liberdade para afirmação da individualidade humana, porque aí a liberdade gera diferenças, não igualdade. Aquele individualismo afirmativo e criador de que fala Ayn Rand que leva os homens a distinguirem-se uns dos outros pelas suas obras, pelo seu carácter e pelos seus feitos, este é o tipo de individualismo que uma democracia-liberal não tolera.

Por isso, a ditadura de um déspota possui uma natureza muito diferente da ditadura da maioria. O déspota abusa o cidadão na esfera pública, retirando-lhe todos os direitos políticos, e na esfera cívica - que é a antecâmara de participação na esfera pública - proibindo ou dificultando ao máximo o exercício por parte dele das liberdades cívicas - de que a liberdade de expressão e a liberdade de associação são talvez as principais. Ao mesmo tempo tende a deixá-lo completamente livre na sua esfera privada, na vivência e na expressão da sua individualidade (desde que esta não pretenda afirmar-se na esfera cívica e, sobretudo, na esfera pública).

Perlo contrário, a democracia-liberal chama os cidadãos a participar na esfera pública, pelo menos na escolha dos seus governantes. Não lhes coloca sequer entraves maiores à sua participação na esfera cívica, embora os cidadãos, por virtude de uma tradição desfavorável, possam não a saber utilizar. Onde a democracia abusa os cidadãos é na esfera privada, na esfera da sua individualidade, incuindo a da sua privacidade.

A ditadura de um déspota faz-se sentir na cidade e na paróquia, mas deixa o cidadão livre em casa. A ditadura da maioria fá-lo sentir-se livre na cidade e na paróquia, mas entra-lhe pela casa dentro.