13.12.07

A gripe das aves morreu?*

Mediaticamente sim. A recente notícia de que, na China,o vírus H5N1 pode estar já a transmitir-se entre pessoas e não apenas a passar das aves para os humanos que com elas contactam esteve longe de causar o sobressalto que, ainda há menos de ano e meio, acompanhava a mais simples suspeita de morte de qualquer pato, no lago mais remoto do universo. ###
Custa acreditar que em 2006 vivíamos a olhar para os mapas da migração das aves e discutíamos com paixão a eficácia dum recenseamento para as galinhas. No final de 2007, precisamente quando surgem notícias que dão conta de que pode ter acontecido aquilo que mais se temia - a mutação do vírus - a gripe das aves não suscita nem interesse nem comoção. Neste momento esse espaço mediatico-emotivo é ocupado pelas alterações de clima. O que virá a seguir? Porque certamente virá alguma coisa.

O que aconteceu esta semana com as cimeiras de Bali e UE-África é exemplar desta vivência ciclotímica. Quem ouviu falar de ambiente durante a cimeira UE-África? Ninguém. Oficialmente o ambiente ou mais exactamente aquilo que se designa como salvação do planeta estava e está a ser discutido em Bali. Contudo se a UE aceitasse rever um pouco a sua Política Agrícola Comum e os EUA eliminassem alguns apoios aos seus agricultores e barreiras alfandegárias fariam certamente mais para erradicar a pobreza, melhorar a qualidade de vida em África e defender o ambiente do que os inúmeros programas verdes e ditos de auxílio àquele continente.

As centenas de africanos que todos as noites arriscam a vida a atravessar o Mediterrâneo não fogem dum continente destruído pelas alterações climáticas. Fogem porque nos seus países não encontram trabalho na indústria e porque a sua agricultura não consegue competir com os produtos subsidiados dos agricultores europeus. E pelo que se viu na cimeira de Lisboa os africanos continuarão a fazer tudo para emigrar não só porque, em Lisboa, não se debateram as trocas agrícolas mas sobretudo porque os países da UE preferem continuar a pagar a vários nababos para nos vendam petróleo, gás e exerçam um controlo eficaz sobre os candidatos à emigração: "Dá-me mil milhões de euros e prometo que não exportarei imigrantes" - explicou claramente, em Lisboa, Muammar Kadhafi. Mil milhões não lhe daremos mas vários milhões devem ser suficientes para que vá cumprindo a promessa.

Enquanto isto se passava em Lisboa, oficialmente em Bali continua a dizer-se que se vai salvar o planeta. Contudo será interessante notar que Kadhafi, a tenda, as amazonas e os camelos aterraram entretanto em França, cujo presidente celebrou um acordo com a Líbia para dotar aquele país de tecnologia nuclear. A Argélia, a Tunísia e Marrocos são outros dos estados aos quais a França vai vender aquela que designa como "energia do futuro", a tal que não liberta Co2. Aliás só em África 45 países declararam-se recentemente interessados em fazer a opção nuclear.

Sendo certo que são dramáticos alguns dos cenários que se apresentam para as alterações de clima não só, por enquanto, não passam disso mesmo - cenários - como mesmo que se viessem a concretizar dificilmente seriam tão perigosos quanto a proliferação do chamado nuclear civil a que assistimos nos últimos tempos. Ironicamente tudo isto acontece em nome da salvação do planeta.

*PÚBLICO, 12 DE DEZEMBRO