20.11.06

Leituras: On Truth.



1. Publicado em Outubro de 2006, pela editora Alfred A. Knopf, New York, "On Truth", de H.G. Frankfurt, apresenta-se a si próprio como uma continuação do anterior trabalho do autor, "On Bullshit".

A tese fundamental do autor, que defende a existência de uma verdade pelo menos no que se refere a "factual statements" e a "reasonings" (pág. 30), é a de que "truth often possesses very considerable practical utility." (pág. 15). O ser humano, um ser eminentemente racional, agiria numa busca contínua da verdade, sendo que essa busca se confundiria, em alguma medida, com a própria racionalidade. ###

A verdade seria indispensável à vida humana, seria, em suma, associada à experiência e conferir-lhe-ia o seu próprio substrato. Para o autor, "Without truth, however, we are out of luck before we even start.", uma vez que "We really cannot live without truth" (pág.36).

O autor estriba-se, entre outros pensadores, no pensamento de Baruch Spinoza (Bento de Espinosa), o qual acreditaria que "people cannot help loving truth." (pág.46). Já as linhas de raciocínio de Kant e de Montaigne, embora no mesmo sentido do pensamento de Frankfurt, são vistas por este como algo exageradas (pág.71).

Frankfurt faz a crítica do pensamento pós-modernista, no qual crê reconhecer algum grau de incongruência, e analisa ainda a mentira, que identifica como algo capaz de causar dano à pessoa a quem se mente (pág.74). Para o autor, as mentiras podem "contrive to interfere with, and to impair our natural effort to apprehend the real state of affairs" (pág.77).

Em súmula, mais um trabalho altamente interessante de H.G. Frankfurt, e um complemento indispensável à sua anterior análise "On bullshit".

2. Particularmente interessante, porventura, será a afirmação do autor segundo a qual "higher levels of civilization must depend even more heavily on a conscientious respect for the importance of honesty and clarity in reporting the facts" (pág.16), uma afirmação verdadeiramente crucial neste trabalho, a partir da qual poderemos especular sobre a sua eventual aplicação à comparação entre diversos países e civilizações.

Seguindo esta linha de raciocínio, os países mais desenvolvidos seriam aqueles nos quais existiria mais verdade. Uma outra obra publicada no mesmo ano de 2006, partindo seguramente de um ponto de observação consideravelmente diverso, preocupa-se, também ela, com a verdade. Trata-se de "The Undercover Economist", de Tim Harford, publicada pela Oxford University Press, obra que no seu capítulo 3 se debruça sobre os mercados perfeitos, os quais, para o autor e no que respeita aos preços, permitiriam encontrar "The truth, the whole truth, and nothing but the truth".

Para Harford, "Even if markets are not perfect, they can convey tremendously complex information" (pág. 65). Harford descreve, na sua obra, o que acredita serem "market failures", que classifica (pág.80) como "scarcity power", "missing information" e "externalities".

Estarão os dois autores a falar da mesma verdade? Talvez não, mas poderão fornecer ao leitor perspectivas complementares. Conjugando os dois pontos de vista, o de Frankfurt, segundo o qual o respeito pela verdade é o traço das civilizações mais elevadas, e o de Harford, segundo o qual uma fonte importante de verdade, não já apenas num plano estritamente individual, mas antes num plano social, mais precisamente, económico, são os mercados, podemos encontrar chaves para a interpretação dos últimos séculos de História.

Os níveis mais elevados de civilização poderiam estar associados a um maior grau de verdade, quer a um nível estritamente individual, quer, em alguns aspectos, a um nível social/ económico.

3. Se alguma crítica se pode fazer a Frankfurt, ela terá a ver com a discussão da mentira, uma vez que, se o autor discute a visão da mentira sob o ponto de vista da pessoa a quem se mente, parece faltar à obra o complemento natural de se debruçar sobre quem mente. É que também poderá ser que a mentira "often possesses very considerable practical utility", e essa será a razão pela qual existem mentirosos. A mentira, em suma, não é ética, mas pode ser um gesto racional. Todos poderemos conhecer casos nos quais alguém beneficiou de uma mentira.

A maior tolerância à mentira e ao mentiroso poderão estar associadas a sociedades e civilizações menos evoluídas, na perspectiva acima enunciada. O nepotismo, bem como o favorecimento de ordem vária em função de uma filiação comum, seriam uma forma de mentira. O substrato religioso, com uma maior ou menor propensão para a concessão automática do perdão, poderia também jogar aqui um papel fundamental, na medida em que poderá ser mais fácil mentir se o perdão estiver assegurado. Se é difícil conceber uma sociedade sem perdão, o equilíbrio entre a responsabilidade individual e o perdão é, de igual forma, difícil de atingir.

A verdade e a mentira, ou, se quisermos seguir Frankfurt, verdade, mentira e bullshit são, na verdade, todas elas manifestações da razão. Poderá haver quem pense, com Kant, que "By a lie a man throws away and, as it were, annihilates his dignity as a man". Outros, contudo, poderão optar por uma perspectiva de, em cada momento optar por cada uma das três alternativas em função da avaliação que fazem. Infelizmente, não se apresenta como certo que aquele que opte, na generalidade dos casos, pela verdade, seja mais bem sucedido do que os anteriores.

M. Gladwell, na sua obra Blink (Little, Brown and Company; 2005) dá conta de uma história que ilustra bem o ponto de vista acima referido. Na perspectiva do autor teria ocorrido um caso de discriminação baseada no sexo (feminino) de uma artista. Gladwell pronuncia-se sobre a argumentação utilizada para, na sua perspectiva, tentar prejudicar a pessoa em causa, nos seguintes termos: "It was a lie" (pág. 248). Podemos admitir que os alegados mentirosos não seriam pessoas destituídas de racionalidade, nem seriam pessoas comprometidas a praticar, por sistema, o mal. Seriam apenas pessoas agindo segundo um preconceito, e dispostas a utilizar meios inadequados para atingir o fim em vista, ele próprio inadequado.

Posfácio - Um conselho prático que eu próprio recebi: se souber ou tiver forte suspeita de que alguém é mentiroso, evite ter conversas a sós com essa pessoa. Não apenas a outra pessoa poderá não se vincular à palavra dada, como, mais ainda, pode colocar na sua boca coisas que nunca disse.


José Pedro Lopes Nunes