A manchete do Expresso desta semana é desconcertante. Ali se relatam as conversas que o advogado Ricardo Sá Fernandes manteve, e gravou, com um administrador da Bragaparques, utilizando equipamentos fornecidos pela Polícia Judiciária. Este advogado é irmão do vereador José Sá Fernandes, do Bloco de Esquerda, na Câmara Municipal de Lisboa. ###
A história ilustra como a justiça em Portugal se deixou instrumentalizar ao serviço da luta política. E a figura central agora não é nem um juiz, nem um magistrado do MP, nem sequer a polícia. É um advogado. Aqui está um homem que pertence a uma profissão cujo ideal é o de defender pessoas, a servir de polícia para incriminar pessoas.
Nos últimos meses, Salazar tornou-se subitamente popular no país. Salazar foi conduzido ao poder depois de um período de liberdade - a Primeira República - que descambou na desordem, no caos, na violência e na destruição das instituições do Estado (a mais importante das quais é precisamente a justiça).
Não me parece que esta súbita popularidade de Salazar tenha que ver com o desejo, por parte dos portugueses, de recriar um ditador. Terá mais provavelmente que ver com o desejo de recriar uma certa ordem que moralize a liberdade e que restaure a autoridade e o respeito pelas instituições do Estado.
O advogado Ricardo Sá Fernandes aceitou colocar-se ao serviço da polícia para denunciar um seu concidadão. No tempo do Estado Novo ele teria prontamente recebido um epíteto de quatro letras e teria sido objecto de condenação generalizada por parte da população.
Agora não, aparece quase como um herói, na primeira página do Expresso.