Se pudesse votar depois de amanhã (...), fá-lo-ia no “sim” por uma razão simples: a liberal. Que faz o Estado entre uma mãe e a sua gravidez? Entre uma mãe, um pai e os seus filhos? Que faria eu, votando “não”, entre todas essas mães e todas essas famílias? Que tenho a ver com a matéria? Que direito posso ter de decidir sobre assuntos tão de amor e de ódio, privados e interditos como talvez nenhuma outra coisa? (...) O Estado, de mim ao Presidente da República, tem, do meu ponto de vista, de se afastar daqui, desta zona íntima. Há fitas a circundá-lo avisando: “entrada proibida a pessoas estranhas ao serviço”. (...) Quando defendemos a vida como valor absoluto e intocável, esquecemo-nos de que o simples estar vivo pode ser uma condenação. Trocaria, todos os dias, esse direito à vida puro e simples pelo da dignidade. Uma criança tem o direito de ser sonhada e não, apenas, um imprevisto com que se vai ter de lidar.»
Alexandre Borges, no 31 da Armada.