O artigo 142º do Código Penal Português refere os casos nos quais a interrupção da gravidez não é punível. Entre tais casos, contam-se a interrupção que, para além de outras características, possa:
"Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida;"
"Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez"
Salvo melhor opinião, o articulado legal português, ao contrário do articulado congénere espanhol ("que sea necesario para evitar un grave peligro para la vida o la salud física o psíquica de la embarazada") torna não puníveis todas as interrupções da gravidez realizadas nas primeiras doze semanas.
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A razão é simples: a gravidez coloca objectivamente a mulher grávida em perigo de morte – talvez não em grave perigo, mas certamente em perigo.
A gravidez apresenta, em geral, uma taxa de mortalidade e uma taxa de morbilidade, as quais variam em função dos cuidados médicos, da idade da pessoa, e da existência de doenças associadas (nomeadamente, do foro cardíaco).
Nos E.U.A., os Centers for Disease Control and Prevention, através de trabalho de Chang et al. (2003) publicaram dados sobre a mortalidade relacionada com a gravidez, a qual foi da ordem de 11,8 mortes maternas por 100.000 nados vivos. Entre as doenças mais frequentemente causadoras da morte materna, Chang et al. (2003) identificaram a embolia e a hipertensão.
Existe, em consequência, em todas as mulheres grávidas, um perigo de morte associado ao estado gravídico, tal perigo podendo ser removido, ou evitado, pela terminação de tal estado. Não existe, na generalidade dos casos, "un grave peligro", mas existe, certamente, um perigo, tal como existe, não um grave perigo, mas certamente um perigo, ao entrar num automóvel ou num avião para realizar uma longa viagem.
Fica assim estabelecido, insisto, salvo melhor opinião, que não são puníveis todas as interrupções da gravidez realizadas nas primeiras doze semanas, atento o articulado supra-citado.
Prescindo, por não ser necessário, de apresentar a argumentação relativa às lesões mencionadas na Lei, a qual reproduziria a mesma linha de pensamento aduzida relativamente à mortalidade.
Nota final: Devo esclarecer que as palavras anteriores não consubstanciam, só por si, qualquer juízo de valor da minha parte relativamente à questão de fundo.
José Pedro Lopes Nunes