28.9.05

A pequena revolução de Maria de Lurdes Rodrigues

Os professores estavam, até há bem pouco tempo, numa posição bastante confortável. Tinham a liberdade de um profissional liberal e as regalias de um funcionário público. Apesar de serem das profissões mais bem pagas para o respectivo nível de formação e de experiência, só tinham 22 horas de trabalho por semana durante 9 meses por ano. Isto no caso dos professores em início de carreira, porque a partir dos 40 anos o horário é progressivamente reduzido de forma que um professor em final de carreira tinha um horário de 12 horas. Os professores podiam acumular um determinado número de horas nas escolas privadas e podiam dedicar o resto do tempo a qualquer outra actividade.

A Ministra da Educação resolveu introduzir algumas alterações. Lembrou aos professores que o seu horário é de 35 horas, reduziu as acumulações no privado e deu liberdade aos conselhos directivos para estabelecerem horários com mais de 22 horas com actividades lectivas e não lectivas. Todos os professores, incluindo aqueles que têm redução das horas lectivas, são agora obrigados a estar na escola mais de 22 horas e menos de 35. O número exacto de horas varia de escola para escola. Os concelhos directivos definiram esse número de acordo com as necessidades da escola, o número de salas disponíveis e a composição do corpo docente.

Esta reforma, que vai no bom sentido, tem no entanto alguns problemas. Algumas das actividades não lectivas que os professores devem desempenhar estão bem definidas, enquanto outras dependem da iniciativa dos próprios.

Uma das actividades bem definidas é a substituição dos colegas que faltam. A cada hora deve haver um grupo de professores de plantão prontos a substituir os faltosos. É aqui que estala o conflito. A lei limita o número de horas lectivas a 22, pelo que se as substituições forem consideradas tempos lectivos, o estado terá que pagar horas extraordinárias. Os sindicatos dizem que a substituição é uma actividade lectiva, enquanto que o Ministério não obriga os professores a substituirem uma aula por outra para que a substituição não seja considerada tempo lectivo. Assim, as aulas não serão substituidas por aulas mas por entretenimento. Nem sequer é necessário que o professor substituto seja da mesma área do professor substituido.

Há ainda um conjunto de actividades que dependem da iniciativa dos professores como a formação de clubes temáticos ou a participação em projectos que beneficiem a escola. Mas em muitos casos, estamos a falar de pessoas que durante toda a sua vida deram as suas aulas e mais nada. As escolas onde o corpo docente se encontra mais envelhecido terão agora que enfrentar esta inércia cultural e o mais provável é que em muitos casos as actividades extra-curriculares sejam totalmente fictícias.

Esta reforma da Ministra da Educação, para além de ir no bom sentido, já podia ter sido feita há 20 anos. Mas ninguém a fez. Da mesma forma que continuam a existir muitas reformas do género que já podiam estar feitas e não vão ser feitas tão cedo. E isto explica muita coisa.

A reforma não é perfeita e não pode ficar por aqui porque está criada uma tensão nas escolas que tem que ser resolvida. O maior problema é a falta de um mecanismo que premeie os professores que trabalham em actividades extra-curriculares relativamente àqueles que apenas fingem trabalhar. Alguns destes últimos já se encontram no topo da carreira pelo que já não têm nada a perder. Uma possível solução passa pela distinção entre professores com exclusividade, que ganham mais e têm mais obrigações, e professores sem exclusividade que ganham menos mas só estão obrigados a dar aulas.