28.11.07

Chamaram-me camarada.

No passado Sábado, em resposta a um amável convite que me foi feito por António Vilarigues, estive por duas horas a assistir à Conferência Nacional sobre Questões Económicas e Sociais do PCP, no Seixal.

Tendo estado umas semanas antes no congresso do PSD, salvaguardando as diferenças entre uma conferência e um congresso, há comparações que se podem fazer.

Põe exemplo, a cilindrada média dos parques automóveis. No Seixal, em vez dos BMWs e Mercedes das individualidades, eram Lagunas que ocupavam os lugares reservados. Em vez do eclético conjunto multi-marca, multi-cilindrada que se encontrava no congresso laranja, o que se via no Seixal eram Clios, Fiats e alguns afortunados Meganes.###

O que não muda muito é o estacionamento. A conferência do PCP foi realizada numa daquelas infra-estruturas à portuguesa. Um pavilhão no meio de prédios de habitação e estacionamento, népias. Esta conferência seria um maná para uma polícia municipal activa que pretendesse demonstrar a sua eficácia na imposição de cumprimento das normas mínimas de estacionamento. Mas como estamos em festa vermelha em terra vermelha, não havia problema. Num dia destes, tudo se perdoa. Como tantos outros, estacionei em cima de um qualquer passeio, num golpe de sorte, por passar no momento em que um qualquer conferencista estava a sair.

O comportamento da assistência também é diferente. No congresso do PSD, a cada momento, metade do congresso espairece pelos arredores, percorre corredores, conspira nas entradas, fuma e bebe nos bares. Tenta-se ser encontrado por jornalistas para entrevistas. A outra metade ouvia os discursos. Alguns sentam-se nos seus lugares apenas para descansar as pernas. Na conferência do PCP, a coisa é mais séria. Só 10% ou 15% dos conferencistas deambula. Os outros aguentam estoicamente os discursos. Nota-se que há mais disciplina. Compreende-se porquê. A verdade é que também não há muitos jornalistas.

Também não há oposição. Aqui, todos remam para o mesmo lado. No congresso do PSD, as lutas são internas. Por exemplo, se um congressista criticava a regionalização, imediatamente alguém lhe saltava em cima.

Nesta conferência, todos os discursos tinham em tema comum – as alternativas para as políticas económicas e sociais que o PCP nos propõe. A falta de preparação de alguns conferencistas saltava à vista. Sendo o tema economia, não se poderiam esperar grandes teorias. Afinal, defende-se um sistema que, já se sabe, economicamente tem uma performance nunca superior à do Yannick Djaló.

O discurso típico de um conferencista segue uma linha perceptível.

Começa por dizer ao que vem. Uns falam de pequeno comércio, outros de indústria, outros de turismo. Depois fazem um diagnóstico situacional que é sempre igual. O sector de que falam está sempre em degradação, há aumento de precariedade e perda de direitos dos trabalhadores, falta de apoios do estado e/ou asfixia do sector pelos grandes grupos económicos. Segue-se a explicação das razões que levaram à situação actual: as politicas de direita do governo PS. E por fim a solução: alterar as politicas, lutar contra os grandes grupos económicos, garantir a competitividade e aumentar o emprego com direitos e regalias o que levará, inexoravelmente, ao desenvolvimento económico e social.

A visão comunista do desenvolvimento económico é simples e directa. Mudam-se as políticas, aumentam-se os direitos e já está. Será que nunca se questionam por que é que nunca resultou?

Os aplausos surgem só no fim dos discursos, com raras excepções. Alguns conferencistas elevam a voz quando criticam as políticas de direita do governo e conseguem um aplauso intermédio. Outra maneira de puxar o aplauso é fazer denúncias. Por exemplo, o aplauso surgiu firme quando um conferencista denunciou o conluio do grande capital entre a banca, representada pelo BPI e o Belmiro para comprar o Carrefour e assim destruir mais postos de trabalho.

O único ‘notável’ que ouvi foi Octávio Teixeira. Pertence a outra casta e falou mais tempo que os seus camaradas menos importantes. Até no PCP, a igualdade tem limites. O discurso nem foi muito atípico, mas Octávio Teixeira está melhor preparado e atulhou a dissertação de tecnicismos. Como bom estatista, não se esqueceu de dizer que o único défice que interessa é o externo. Criticou o euro forte que prejudica a economia e lamentou-se por não ser possível desvalorizar a moeda. O povo comunista aplaudiu, várias vezes.

Foi quando Octávio acabou de falar que alguém me toca no ombro e me diz: “camarada, deixou cair o seu convite.” E eu agradeci: “Obrigado, camarada!”.

(continua)