15.5.04

«RIO POR ME VER TÃO BELA NESTE ESPELHO!»



O Senhor João Pereira Coutinho, prosador de talentos medianos e de enorme presunção, excedeu os limites do bom-senso e do bom-gosto, hoje, no «Expresso», num texto chamado «Deixa-me rir», no qual invectiva a Associação dos Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M) por esta se ter insurgido pelas tropelias automobilísticas que, ao que parece, o ministro Paulo Portas andará a fazer nas ruas da capital. Segundo Pereira Coutinho, a ACA-M «surgiu na sociedade portuguesa sem ninguém perceber como ou porquê» e «representa uma pressão intolerável num regime democrático» (sic). Ainda assim e perante tal ameaça, Coutinho ri-se!
Ora, a simples natureza da Associação, que reúne vítimas ou familiares de vítimas da dramática sinistralidade rodoviária portuguesa, deveria incutir algum respeito a Coutinho. Alguma circunspecção, até. O facto das origens da ACA-M serem, segundo o emérito prosador, pouco conhecidas, leva-me a crer que ela não terá beneficiado dos habituais beneplácitos financeiros do Estado português, que costuma criar e manter direcções-gerais, fundações e associações, onde os amigos se instalam e os portentosos jotinhas exprimem todo o seu talento governativo. O que é, também, digno de nota e de consideração.
E não me parece ter havido qualquer excesso no que a ACA-M disse sobre o eventual comportamento automobilístico de Paulo Portas, ele que é ministro de um governo que se prepara para receber mais alguns milhões de euros com o brutal endurecimento legislativo das infracções e das penalizações do Código da Estrada. Com um Secretário de Estado indicado pelo seu partido, que tem vindo a pregar as virtudes do diploma, a necessidade de rigores draconianos na estrada e o desinteresse financeiro do governo nessas alterações.
O Senhor Coutinho que vá ao novo Código ver o que sucederá a um normal cidadão que se passeie pelas ruas da capital à velocidade referida. E, se ainda assim continuar a rir-se, há-de ser seguramente pelas mesmas razões desse outro monstro da Academia, a cantora Bianca Castafiore, a quem sempre dá vontade de rir, ao ver-se tão bela ao espelho.