A campanha presidencial norte-americana tem servido de pretexto, para, encapotadamente, serem veiculados alguns preconceitos e disparates de ambos os lados dos "apoiantes incondicionais" (por vezes - vezes demais - mesmo acríticos!).
Sinceramente, na minha perspectiva pessoal (repito, pessoal), apesar de tudo, os dislates têm sido maiores e mais pérfidos do lado de quem, no fundo, a pretexto de ser "contra Bush", não consegue suster a sua incomodidade para com os quadros da sociedade capitalista e vive, mesmo subconscientemente, com os traumas da busca romântica do socialismo perdido (de um modo geral, os mesmo que também foram contra Reagan e que sistematicamente são sempre contra o candidato Republicano, considerando-o, mesmo antes de abrir a boca, como um exemplo de impreparação, como um ser intelectualmente limitado, sem sensibilidade, arrogante e unilateral, representando tudo o que de mal a América tem - repito, quem quer que seja o personagem em concreto!)
Pior do que tais dislates - que, quando assumidos, podem porventura rebater-se e serem discutidos, com os quais podemos, no fundo, concordar ou não sem "meias tintas", nem segundas intenções - são as tentativas de se fazer passar uma opinião, com o ar de quem fala, fundamentada e imparcialmente, de uma grande verdade universal!
No fundo, prossegue-se uma "agenda" pessoal (política, de gosto, de sensibilidade ou meramente de interesses), mas não assumida e com o ar sério que, a suposta neutralidade, lhe deverá conferir! Trata-se de um vício muito jornalístico e muito lusitano (até, talvez europeu).
Pessoalmente, prefiro mil vezes um M. Moore, com o qual não concordo, que sei quais as artimanhas de discurso que utiliza, mas que diz abertamente ao que vem (derrotar Bush!), do que os que prosseguem os mesmos objectivos e outros mais amplos e difusos (ancorados e decorrentes da tal mentalidade "em busca do socialismo perdido"), sem se assumirem e tentando dar ares de imparcialidade!
Vem isto a propósito do editorial de hoje, do Público, onde se podem ler, por exemplo, coisas como esta:
"Na ressaca de uma era de prosperidade sem precedentes, o colosso da economia mundial diverge num dos princípios que distinguem os países decentes dos outros: a política não está ao serviço da coesão social".
Ora, ficamos a saber, como quem não quer a coisa, que os EUA não são "um país decente";
que no mundo, para além dos bons e dos maus (o famoso "eixo do mal", tantas vezes criticado) , há ainda o "eixo dos decentes e dos (a contrário) indecentes";
que, uma vez decretado o tal critério da decência - ou seja, "a mítica coesão social" (talvez seguramente como em Portugal!) - os EUA não fazem parte dele, nem a respectiva política se preocupa com ela.... Ao invés de outros países, como, o Brasil de Lula, um país seguramente decentíssimo, para não falar noutros campeões da "decência forçada", como, por exemplo, Cuba ou a Venezuela de Chávez, ou mesmo - repito - Portugal, onde os nossos índices de "coesão social" serão seguramente imbatíveis: uma coesão social fundada na cada vez maior pobreza de todos, no "todos iguais" nas deficientes condições de assistência médica, aos reformados e à terceira idade, aos efectivamente desprotegidos (cada vez mais, quase todos), etc, etc. .
Eu pensava que a política deveria estar ao serviço das pessoas, dos cidadãos, mas, pelos vistos, não será bem assim, estará mais vocacionada para servir e prosseguir conceitos vagos, produções intelectuais abstractas e "politicamente correctas" com o qualificativo de "social", nem que infelizmente seja só um apêndice decorativo (e o problema é esse, tem sido, na prática, esse!)
Depois, o velho chavão irreflectido de uma certa esquerda precipitada e não fundada - se bem que muito romanticamente mediática:
(...) "o princípio da acumulação do capitalismo, quando não é submetido aos princípios da redestribuição do Estado através de políticas fiscais e sociais, tem uma outra face: só na América Latina, na Europa Oriental ou na África subsariana o número de humanos que vivem com menos de um dólar por dia aumentou em 100 milhões".
Ou seja, o resvalar para a máxima falaciosa de que o "meu bem estar, faz-se à custa do mal estar de alguém, noutro lado" - já aqui, no Blasfémias, muito discutida, a propósito de um texto de Paulo Querido (remeto para as respectivas postas e comentários, a discussão e o desmontar desta falácia)
....E por fim, a deusificação implícita de que, através do fisco, tudo se resolve; através de um Estado forte nas receitas públicas, nem que seja à custa do crescimento económico (esse sim, criador de riqueza distribuível e o único factor impulsionador, com eficácia, da "coesão social"), virá a redenção (como a nossa experiência portuguesa, de resto, deve mostrar à saciedade).
Não encontro link aberto e operativo, mas, para quem tenha interesse, deixo uma referência, também jornalística, que ajudará a desmontar este tipo de raciocínio: Pinto Leite, no Expresso deste fim-se-semana.