Paulo Querido usou um encontro fortuito com uns velhotes na Ucrânia para mostrar que o comunismo até nem é mau para a cultura. Acusa-me agora de maniqueismo por eu ter usado a experiência de alguns escritores russos para provar a mesma coisa. Mas é o próprio Paulo Querido que defende que "a melhor literatura portuguesa do século XX, a melhor literatura russa do século XX e a melhor música brasileira do século XX (para citar somente três exemplos) foram produzidas quando esses países viviam em ditaduras".
Note-se que Paulo Querido é perfeitamente capaz de determinar qual é a melhor literatura do século XX, mas defende ao mesmo tempo que a cultura "não é mensurável em índices, que mais não fazem do que expor o ideário e os objectivos de quem os elaborou". Devemos concluir que aquilo que o Paulo Querido considera a melhor literatura do século XX é afinal uma opinião baseada no seu ideário e nos seus objectivos? (Os relativismos são sempre auto-refutantes).
Mas adiante. Eu não duvido que as ditaduras possam produzir um determinado tipo de literatura de boa qualidade. Os prisioneiros costumam ter muito mais tempo para ler e escrever. E os escritores não têm falta de assunto. Nada de surpreendente.
Mas isso não pode ser bom sinal, pois não? Só um maniqueísta é que atribuíria o interesse dos russos pela literatura à bondade do comunismo. Principalmente quando existe outra explicação alternativa: os russos interessavam-se pela literatura porque estavam desesperados.
O Paulo Querido diz ainda uma coisa muito intrigante: "O teu bem estar [o bem estar do ocidente] é adquirido à custa do bem estar de alguem noutro lado." O que não deixa de ser uma posição ingénua e maniqueísta sob a forma como funciona a economia de mercado. Para o Paulo Querido, uma pessoa só pode ganhar se alguém perder. Sendo assim, quando eu leio os artigos do Paulo Querido na revista do Expresso sou eu que perco ou é o Paulo?