Nesta campanha, nos vários debates em que estive, o "Não" repetiu sempre um argumento notável: deve ser negada a possibilidade de escolha das mulheres em fazer a IVG para dar lugar ao planeamento familiar e a políticas públicas de esclarecimento e aconselhamento familiar e sexual (como se ambas as coisas fossem incompatíveis em algum lugar com que nos gostamos de comparar…). E, normalmente, quase todos os circunstantes abanavam gravemente a cabeça, concordando.
E eu, sorrindo, recordava a batalha enorme que o Dr. Albino Aroso teve de travar há alguns anos para realizar em Portugal alguma coisa que se assemelhasse a "planeamento familiar".
«Pílulas?», diziam. Dar «preservativos à toa?», assustavam-se. E a «moral?», perguntavam. Isso vai destruir a «família», avisavam. «Educação sexual?», indignavam-se. Isso seria ensinar os nossos filhos a saberem «o que não devem fazer», sentenciavam.
E, agora, os mesmos, precisamente os mesmos, aqueles que andaram durante décadas a rugir contra os métodos contraceptivos e a educação sexual, chegam a este momento eleitoral ancorando quase toda a argumentação pública do "Não" naquilo que condenaram durante todo o tempo anterior. Agitam todo o acervo de razões que estigmatizam desde há décadas e que boicotaram sempre que lhes foi possível - «Ter um filho é um acto moral. Engravidar não pode ser um mero acidente», garantem alguns cheios de verdade na sua mão direita.
Mas, enfim, a coerência e a realidade nunca foram óbice para os que se julgam os únicos defensores dos valores e dos princípios à face da terra e dos céus...