27.8.07

ETA II

O PONTO TEM NÓ (PÚBLICO 27 DE JUNHO DE 2007)

“Será possível falar da política no País Basco sem dizer que ela é dominada pelo centenário Partido Nacionalista Vasco, de centro-direita, que ocupa o governo da região desde 1980 e que tem ganho sistematicamente todas eleições locais nas últimas décadas?” - pergunta Rui Tavares a propósito da crónica que dediquei à ETA. Pois aí é que está o busílis da questão: a ETA não é um corpo estranho ao mundo nacionalista legal, seja ele de de esquerda ou de direita. Antes pelo contrário a ETA existe e continuará a existir porque o PNV e o mundo nacionalista não a repudiam de facto. Servem-de dela. Às vezes também a servem. ###
Digamos que a relação é semelhante àquela que a mafia estabeleceu no pós II Guerra, em Itália, com alguns partidos. Pegue-se por exemplo na questão da língua. Entenderam os sucessivos governos bascos que havia que tornar o basco a língua daquela comunidade. Os funcionários públicos rapidamente perceberam que ou aprendiam basco ou eram excluídos. O ensino do basco a crianças e sobretudo aos adultos foi concessionado maioritariamente pelo governo autónomo a uma rede de cooperativas que se estruturou como uma forma de financiamento da ETA e como uma excelente cobertura legal para os movimentos de verbas e pessoas. De igual modo quando se investigam as contas do grupo terrorista chega-se invariavelmente à porta de alguns dos grupos financeiros e industriais bascos. E também dos comités anti-droga, anti-nuclear, anti-globalização. Das herriko tabernas, dos centro juvenis, grupos pró-amnistia…
Se se quiser um símbolo da anormalidade da situação basca têmo-lo no acordo feito, em 1997, por um sindicato representativo dos agentes da Ertzaintza, a polícia basca, com a ETA. Esse acordo surgiu após o quarto assassinato pela ETA dum agente policial filiado num sindicato nacionalista. A direcção do sindicato resolveu o assunto deslocando-se a França onde estabeleceu um acordo com a ETA: esta deixava de considerar traidores os membros da Ertzaintza e o sindicato em questão procurava que os seus filiados e os outros agentes da Ertzaintza não se metessem onde não eram chamados.
As histórias e os exemplos podem continuar porque são intermináveis como é interminável qualquer história duma estrutura mafiosa. Mas as questões que o terrorismo da ETA nos suscita são muito mais inquietantes que as marcas das suas próprias bombas. O que pode levar, por exemplo, uma sociedade em plena Europa a premiar os terroristas? E o prémio de facto existe: as votações nos partidos que servem de capa à ETA não descem muito significativamente após a realização dos atentados. Em alguns casos existem mesmo subidas. Por exemplo na localidade de Ordicia o número do votos do Batasuna subiu após um etarra matar com dois tiros Dolores Kataraín quando esta passeava com o filho de três anos. Note-se que Dolores Kataraín não era uma cidadã anónima ou uma agente da polícia. Fora fundadora da ETA e em meados dos anos 80 resolvera abandonar a organização. A direcção da ETA considerou-a um mau exemplo para os jovens e como tal matou-a.
E não é apenas no Páis Basco que este prémio eleitoral acontece. Quando em 2004 se descobriu que o líder catalão Carod Rovira fizera um pacto com a ETA prometendo-lhe apoio às suas reivindicações em troca da promessa da organização terrorista de poupar a Catalunha aos atentados, rebentou uma crise na campanha eleitoral. E não faltou quem vaticinasse o fim da carreira política de Rovira. Na verdade as urnas mostraram que muitos catalães apoiavam a estratégia de Rovira pois a votação no seu partido subiu espectacularmente.
Porque acontece numa sociedade rica e dotada dos mecanismos duma democracia, o terrorismo da ETA parece ainda mais absurdo. Mas não é verdade. Apenas não precisa de máscaras. Nem para quem o pratica. Nem para quem se serve dele. Nem para quem se habituou a viver com ele.