Em relação ao primeiro post, André Azevedo Alves escreve o seguinte:
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O primeiro esclarecimento falha, entre outros aspectos, porque se aplicaria a praticamente todo o tipo de nova informação, independentemente da sua relevância. Como os resultados passados seriam sempre os mesmos, nada afectaria o modelo em causa. Só que esses hipotéticos modelos (melhor seria falar simplesmente de previsões) dizem respeito ao futuro e o futuro é sempre incerto. As expectativas (sempre subjectivas) dos agentes são formadas com base na informação disponível a cada momento. Quando há novos dados relevantes que são revelados, essas expectativas sofrem ajustamentos. Aliás, se assim não fosse, as cotações nunca sofreriam ajustamentos devido à divulgação de nova informação relevante, o que me parece uma tese muito pouco defensável.
O primeiro post não se aplica a toda a informação. Só se aplica à informação que já está há muito expressa nos resultados da empresa. A informação revelada sobre o BCP teve efeitos nulos no passado. Concluir a partir dessa informação que o BCP vale menos do que se pensava faz tanto sentido como concluir que afinal vale mais do que se pensava. Porque não concluir que, com esta revelação, a administração terá menos capacidade para se apropriar do rendimento dos accionistas? Porque é que o André neste post diz que o efeito principal da divulgação é colocar em causa a conduta da administração de topo do BCP? Porque não conclui em vez disso que a administração do BCP afinal gera mais proveitos do que se pensava? Ou que o banco tem mais margem para crescer do que se pensava? Esse é o ponto do primeiro post.
Eu noto apenas que um agente isolado consegue fazer fazer um raciocínio que o leva a concluir que a notícia revela pontos positivos e negativos do banco que no passado se cancelaram. Mas o mercado é constituido por milhares de accionistas, muitos dos quais sabem, por experiência própria, ou de fonte segura, como funciona a administração do BCP. E grande parte até já tinha ouvido os rumores. Para um grupo significativo de agentes, precisamente aqueles que mais investem, esta notícia ou não é nenhuma novidade ou confirma a opinião que eles já tinham formado. Um número reduzido de grandes investidores com boa informação é suficiente para fazer reflectir a informação no preço das acções. O que eu estou a dizer é que não há novidade nenhuma numa informação se, por exemplo, 10% ou 20% das transações forem feitas por pessoas para quem a nova informação é redundante.
As cotações mudam apenas quando entra nova informação no mercado. Mas essa informação tem que ser verdadeiramente nova para todos os agentes. Não pode ser redundante nem pode ser informação que já é conhecimento dos grandes accionistas. A informação revelada nos últimos dias só é nova para o mercado na aparência. O facto de ser nova para algumas pessoas não significa que seja nova para quem realmente conta no mercado.
O segundo esclarecimento falha porque subestima a natureza dos problemas de incerteza que o mercado resolve e assenta no que me parece ser um entendimento imperfeito da natureza dispersa e subjectiva do conhecimento em qualquer economia. O problema com que o agente descrito pelo João se confronta não é resolúvel pela formulação de um modelo estatístico para um caso individual nos termos descritos. Face à incerteza com que se confronta, o investidor poderá atribuir uma determinada probabilidade em cada momento à possibilidade de a administração ser desonesta (ou a custos de agência em geral) mas essa probabilidade dependerá necessariamente da informação disponível para o caso individual em análise. Assim, a divulgação de informação relevante pode e deve conduzir a uma reavaliação dessa probabilidade com os consequentes ajustamentos nos fluxos futuros de rendimento esperados para a empresa em causa. É por isso que, desde que lhes atribua credibilidade, o mercado não é indiferente a notícias que colocam em causa (justa ou injustamente) a conduta das administrações das empresas.
O objectivo do meu segundo exemplo foi mostrar que um agente que já desconfiasse da administração do BCP não teria muitas razões para mudar de opinião. Pelo simples facto de que esta notícia está perfeitamente dentro das expectativas que um agente que tivesse feito uma análise com base no carácter, na oportunidade e nas motivações da administração. De forma intencional, explicitei claramente que o modelo é independente da frequência de desonestidade observada. Incluí essa condição para mostrar que existem formas de raciocinar que levam os agentes a ser imunes a eventos únicos. Neste caso há boas razões para se ser imune a eventos únicos porque a maior parte dos casos de desonestidade são ocultados. O que quer dizer que os casos conhecidos não são representativos. Não é possível gerar um modelo empírico de desonestidade nem é possível usar dados empíricos para comprovar ou refutar análises que não usam as frequências de desonestidade.
O agente que eu descrevo não é, obviamente, melhor que o mercado. Mas ele não tem que ser melhor que o mercado. Nem a sua maior força está na informação que adquire. Está na forma como a adquire mantendo-se a salvo que determinadas armadilhas.
Se existem agentes capazes de raciocinar desta forma, devemos concluir que nem todos os agentes se deixarão iludir por evidências não representativas e nem todos pensarão que se está perante nova informação. Segue-se que não é irrelevante se as atribuições de credibilidade são justas ou injustas. Como existe diversidade no mercado, como nem todos raciocinam da mesma maneira, o mercado acabará por premiar os agentes que melhor conseguirem avaliar correctamente a credebilidade da administração.
Se tivermos 2 tipos de agentes no mercado:
Tipo A - Toma todas as informações como novas sem conjugar essa informação com a que já tem. Se o efeito aparente for negativo revê em baixa a credibilidade da administração e o valor das acções
Tipo B - Ignora eventos únicos quando eles já estão incorporados na sua avaliação ou que eles não podem ser úteis a melhorar a informação que já tem
os agentes de Tipo B acabarão por sistematicamente ganhar mais dinheiro e contribuir mais para a formação das cotações. Algumas notícias redundantes até podem alterar as cotações, mas apenas temporariamente. Se não forem verdadeiramente informativas para o mercado como um todo, aqueles que não se deixarem iludir por uma aparente nova informação puxarão os preços para cima.
O problema de criação e coordenação de informação e conhecimento que o mercado continuamente resolve é muito mais complexo do que o modelo que parece estar subjacente aos dois posts referidos do João Miranda.
Claro que é mais complexo. Mas a complexidade adicional favorece a minha posição. A complexidade adicional garante que a informação dispersa por vários agentes será reflectida nos preços. E garante que os agentes melhor informados contribuem mais para a formação dos preços. O que implica que os preços refletem muito mais a honestidade ou a falta de honestidade da administração do BCP do que as notícias.
As características dos custos de agência, a incerteza (que não é a mesma coisa que risco) que necessariamente existe na realidade face à conduta das administrações (assim como a um número praticamente infinito de factores) e a natureza dispersa e subjectiva do conhecimento fazem com que o mercado seja um processo inigualável (e não replicável por nenhum modelo estatístico) de incorporar nas cotações elementos como a reputação ou a credibilidade das equipas de gestão.
Ou seja, mais uma razão para concluirmos que estas notícias são redundantes.
Mas é precisamente por essas mesmas razões que as estimativas do mercado estão em contínuo ajustamento e são afectadas por toda a nova informação relevante divulgada.
Pois, mas nem toda a informação é nova ou relevante para o mercado. Não é por uma dada informação parecer nova que ela é nova.