O pior de tudo são os nomes. Nomes que deste ano de 2007 nos vão ficar na memória: Pidá, Casa Pia, UGT. O que une estes termos tão díspares entre si é que eles são parte da rota da nossa descrença na justiça. Em todos estes casos o resultado tem sido pouco menos que um doloroso fracassso.
Comecemos pelo último, o caso UGT. Quase vinte anos depois de ter começado o processo chegou ao fim. Os 36 arguidos foram absolvidos e para o único deles a quem era atribuível a prática de burla o crime já tinha prescrito. Em jeito de conclusão o actual secretário-geral da UGT, João Proença, acusou directamente o Procurador Geral da República da época, Cunha Rodrigues, de ter tentado destruir a central sindical. Sintomaticamente ninguém se admirou. ###
Passemos ao processo Casa Pia essa não-coisa que tem a capacidade de conspurcar tudo e todos aqueles que o tocam. Sobre esse caso o antigo Procurador-Geral Souto Moura, declarou "fui pressionadíssimo", Catalina Pestana concluiu, após a sua experiência como provedora daquela instituição, "se um dos meus netos fosse abusado eu aconselharia os meus filhos a não apresentarem queixa" e até o novo Código de Processo Penal surge aos olhos da opinião pública como condicionado em algumas das suas disposições e no seu calendário pela vontade de proteger alguns dos envolvidos neste processo. Se parte disto for verdade é um escândalo de proporções inqualificáveis mas a verdade é que ninguém se indigna. Se for mentira o escândalo não será menor mas também é verdade que ninguém se interessa muito em prová-lo.
E eis que chegamos à "Noite Branca". Os nomes destas operações são para mim um mistério só suplantado pelo zelo artístico com que as forças policiais dispõem as armas, objectos e droga que apreendem no decursos das investigações. Mas enfim, não sei se as noites foram brancas ou doutra qualquer cor mas presumo que terão sido sobressaltadas dada a conflitualidade instalada entre PSP, PJ e PGR. Mas não duvido que temos sérias razões para passar noites em branco quando se percebe que, a dado momento, foi eaquacionada a acusação de terrorismo contra os membros dos gangs do Porto. Sobre esta acusação o "Diário de Notícias" titula - com candura ou ironia? - "Crime de terrorismo ajuda investigação": "Ao imputar o crime de terrorismo à maioria dos 11 detidos, suspeitos de estarem envolvidos nos crimes do Porto, o Ministério Público (MP) poderá dispor de um prazo mais alargado para as investigações, o qual, recorde-se, foi reduzido na revisão do Código de Processo Penal (CPP)." Ou seja dá-se como consensual que para contornar alguns dos anunciadíssimos erros do novo CPP se banaliza a acusação por terrorismo. Na verdade de qualquer quadrilha ou grupo de arruaceiros se pode dizer que pretendem "intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral" mas isso não faz deles terroristas. O que não quer dizer que não sejam criminosos. Infelizmente após o processo Casa Pia nos ter deixado a amarga convicção que a classe política protege aqueles que de entre si são acusados, o caso dos gangs do Porto e a acusação de terrorismo que chegou a ser veiculada contra eles leva a concluir que, em momentos de desespero, o poder está disposto a inventar acusações para salvar a sua pele. O Pidá foi transfigurado momentaneamente em terrorista para que outros não fossem confrontados com o facto de termos um ministro da Administração Interna que confunde política com propaganda e um CPP que serve o poder mas não serve o povo. Nem o protege - seja na qualidade de vítima ou de acusado. Como bem se vê nas noites e nos dias do Porto e demais país.
*PÚBLICO, 20 de Dezembro