26.12.07

Um trambolho no sapatinho*

Tornou-se um lugar- comum afirmar que as crianças recebem prendas a mais. E entre aquilo que está a mais contam-se inevitavelmente os brinquedos tecnológicos. Contudo, o desperdício natalício com as criancinhas não é nada quando comparado com aquilo que o Estado português gasta nuns brinquedos tecnológicos que, tal como os jogos didácticos que as madrinhas fazem questão de oferecer, são supostos desenvolver-nos ludicamente o intelecto. No rol das prendas governamentais para os cidadãos as caixas de correio electrónico são um item obrigatório. No ano 2000, o então primeiro-ministro António Guterres prometeu um «mail para todos» e num ápice foi criado o Megamail. Do milhão de caixas anunciadas apenas uma pequena parte foi activada e o serviço que o então ministro da Ciência e Tecnologia, Mariano Gago, definira como «ímpar» foi morrendo por falta de utilizadores. ###
Afinal não só o Megamail funcionava mal como sobretudo não fazia falta alguma: os cidadãos já tinham então caixas de correio electrónico alojadas em endereços que funcionavam muito melhor. Quando se julgaria que esta infausta experiência levaria a que se abandonasse a ideia, eis que, em 2005, se percebe que o executivo olhou para a gaveta das ideias dispendiosa e disparatadamente inúteis e volta a teimar em oferecer-nos uma caixa de correio electrónico: o «mail para todos» deu lugar ao «e-mail por cidadão», o milhão de caixas passou a dez milhões, o Megamail passou a ViaCTT.
O entusiasmo do primeiro-ministro, que já não é Guterres mas sim Sócrates, esse é que imutável: o ViaCTT, garante Sócrates, é «um projecto emblemático» do Plano Tecnológico que procura garantir a «universalidade» e a «democratização das tecnologias de informação». Tal como em 2000, se algo é perfeitamente acessível aos portugueses são as caixas de correio electrónico. Daí que os dez milhões de caixas de correio oferecidas pelo Governo e pagas por todos nós pairem no universo on-line virtualmente vazias. (E por lá ficarão, a não ser que as sucessivas criações do Plano Tecnológico, como o Sistema de Queixa Electrónica, nos obriguem a ter uma.)
Tenho, contudo, de reconhecer que estas caixas de correio electrónico que o Governo teima em nos oferecer, à parte o ninguém precisar delas e terem representado um absoluto desperdício, não nos atrapalham grandemente a vida. O mesmo não se pode dizer duns trambolhos que dão pelo nome de quiosque Infocid, outrora conhecidos como «janela única da Administração Pública» ou «um espaço de importância transcendental para a administração pública portuguesa que fará ganhar o país». As definições são naturalmente de António Guterres cujos governos foram férteis em janelas que abriam para pântanos e promessas de radiosos amanhãs tecnológicos.
O Infocid deve ser mesmo um ponto de comunicação transcendental e de ligação ao oculto, pois nenhum cidadão comum consegue que eles funcionem. Hoje a sua única função conhecida é atravancar os passeios. No blogue Sorumbático, oferecem-se almoços de lagosta e notas de 50 euros a quem encontrar um Infocid que funcione. Até hoje a lagosta continua traquilamente vivinha e as notas dormem na carteira. Caso o leitor encontre um Infocid a funcionar, ainda vai a tempo de ganhar a prenda. E aproveite o entusiasmo para começar a coleccionar exemplos do desrazoamento governamental na hora de nos oferecer prendas. Quando os governos resolvem brincar ao Pai Natal, nem as renas nos salvam dos trambolhos.

*PÚBLICO 24 de Dezembro