21.9.05

Bons negócios

Passou quase despercebida a notícia de que o governo, por intermédio de secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino e a Bombardier, na pessoa do seu presidente internacional André Navarri, tinham chegado a acordo para a aquisição, por parte da Refer de 45% dos terrenos da Bombardier, pelo custo de 7,2 milhões de euros.

É daquelas histórias de antologia de como certos, mas não escrutináveis, interesses particulares se sobrepõem ao interesse público, por intermédio dos agentes políticos.

Veja-se.
A Bombardier encerrou uma fábrica na Amadora. O respectivo terreno está classificado no PDM como de utilização industrial. A empresa teria sérias dificuldades de o vender a terceiros para tal fim.

O governo por razões ainda não explicadas, «ameaçou» a empresa de expropriar o terreno. A empresa certamente ficou interessada em conhecer o valor da proposta, pois que sempre poderia obter mais facilmente uma receita que de outra forma seria de difícil obtenção e sobretudo incerta no tempo.

O governo alegava que necessitava do terreno para instalar um centro tecnológico ferroviário e oficinas para manutenção e fabrico de material circulante. Razões que rapidamente se confirmaram infundadas, dado que a empresa pública supostamente necessitada daquele bem, está sobredimensionada, possui terrenos em todo o país, e não tem necessidade de mais instalações.

O governo teve de recuar, uma vez que se concretizasse a expropriação, poderia ver mais tarde a propriedade do terreno reverter novamente para a Bombardier, ou por não utilização do terreno ou por ser decidido dar-lhe uma utilização diferente das razões que a motivaram.

Vai daí, o governo optou por negociar a aquisição dos referidos terrenos, tendo no sábado, o jornal Público dado conta de que se chegou a acordo, pelo valor de 7, milhões de euros (mais um milhão do que anteriormente pré-acordado entre a Bombardier e a CP.....)

Os fins para que o Estado adquiriu tal propriedade continuam a ser incertos. Sabe-se isso sim que facilitou um problema que a Bombardier tinha: o de se desfazer de um activo que dificilmente conseguira em normais condições de mercado.

Diz o jornalista Carlos Cipriano na referida peça que com aquela compra «Também fica excluída, para já, a possibilidade de uma eventual especulação imobiliária dos terrenos da Amadora porque a Bombardier poderia sempre invocar o direito à propriedade dos mesmos caso eles se destinassem a outros fins que não o centro de tecnologia ferroviária.».

Santa ingenuidade. A Bombardier nunca poderia fazer especulação imobiliária, a não ser que o no futuro o PDM fosse alterado. O que só poderia acontecer, não por sua vontade, mas por decisão do poder público/político, nomeadamente a Câmara e o governo.

O que se passa é exactamente ao contrário. Agora que o Estado é detentor de tais terrenos é que se encontram reunidas as condições para no futuro existir especulação imobiliária.
Pois que o Estado sempre poderá, com facilidade, alterar o PDM, passar os terrenos para uma qualquer entidade de poderes extraordinários, não sujeita a PDM?, (ex: Expo, Porto 2001, etc.), ou para as polis, sru?s, e outras sociedades anónimas de capitais públicos. É o poder público que tem agora toda a facilidade de vir a realizar «especulação imobiliária» e não o até agora proprietário.

Em conclusão, Ana Paula Vitorino, 1) ao assumir directamente a negociação com a Bombardier aceitou pagar mais um milhão de euros do que anteriormente previsto; 2) resolveu um problema de gestão de activos a uma empresa privada; 3) criou as condições ideais para que o Estado, alguma empresa pública e certamente algum construtor, possam vir a obter significativas mais valias imobiliárias.