11.8.04

A arte do porcumentário

(Obrigado ao leitor Pimenta pela indicação)

Olavo de Carvalho escreve sobre Michael Moore e Farenheit 9/11, relacionando a boa aceitação do filme com o declínio intelectual da esquerda:

O filme é interessante pela pergunta que suscita: Como pôde um tão óbvio aglomerado de embustes ser aceito como "documentário" pela intelectualidade chique e até ganhar um prêmio, se bem que de um festival de nostalgia senil? O fenômeno é portentoso, e contém em si toda uma síntese simbólica da ruína aparentemente irreversível da intelligentzia esquerdista no mundo. Vejam vocês: até os anos 70, não cair no panfletarismo rasteiro era um ponto de honra para todo escritor ou cineasta de esquerda. Lukács, Goldmann, Adorno - e entre nós um Astrojildo Pereira, um Leandro Konder, um Otto Maria Carpeaux - tinham fixado tão bem esse mandamento no coração da ética comunista, que quem quer que o infringisse, mesmo em nome dos nobilíssimos ideais do stalinismo e do Gulag, era imediatamente expelido do campo da alta cultura para as trevas exteriores da mera agitprop (sigla comunista para "agitação e propaganda"). De repente, tudo isso acabou. Michael Moore vai muito abaixo do panfletarismo, chafurda como um leitão na volúpia de mentir - e ganha um prêmio! Adeus, escrúpulos! Adeus, dignidade intelectual! Adeus, alta cultura esquerdista! O ódio a George W. Bush é tanto, que cada um corre para vender a honra, a mãe, a reputação, só para tirar a presidência dele e entregá-la a um avestruz empalhado, exumado às pressas do museu das lideranças postiças. Nessa hora, vale até dar um prêmio a Michael Moore. É o orgulho da baixeza, a afirmação gloriosa da superioridade do pior.

Não posso, aqui, sondar as causas de fenômeno tão alarmante, indicador do avanço da barbárie no mundo. Sugiro apenas que ele é a exteriorização apoteótica de um longamente planejado suicídio da inteligência, preparado ao longo das décadas no recinto discreto do mundo acadêmico por meio do desconstrucionismo, do multiculturalismo, do relativismo, do racialismo e de todos os pretextos fingidamente elegantes inventados para fazer da vida cultural o instrumento do mais grotesco imediatismo político.