Novo contributo pessoano (para entender melhor o anterior):
«Considerada em si mesma, a administração de Estado é o pior de todos os sistemas imaginaveis para qualquer das trez entidades com que essa administração implica.
De todas as coisas «organisadas», é o Estado, em qualquer parte ou epoca, a mais mal-organisada de todas. E a razão é evidente.
A sociologia é uma pseudo-sciencia, ou pelo menos, uma proto-sciencia. Não há sciencia social, ou, pelo menos, não a há por emquanto. Em materia social ha só opiniões, tão pouco definitivas ou scientificas como as que ha em materia artistica ou literária. Desconhecemos por completo que leis regem as sociedades, ignoramos por inteiro o que seja, em sua essencia, uma sociedade, porquê e como nasce, segundo que leis se desenvolve, porquê e de que modos definha e morre. Ninguem ainda sequer definiu satisfatoriamente «sociedade», «progresso» ou «civilização». A humanidade tem-se entretido - desde a formação, na Grecia antiga, do espirito critico - a idear sistemas politicos e sociais «definitivos» em materia tão flutuante e incerta como a vida, em assunto ainda tão fóra da sciencia como a sociedade.
É preciso, contudo, que as sociedades, sejam o que fôrem, se governem; é forçoso que haja um Estado de qualquer espécie. E esse Estado é chamado a governar uma coisa que não sabe ao certo o que é, a legislar para uma entidade cuja essencia desconhece (...)
(...) É pois evidente que quanto mais o Estado intervêm na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não positivamente mais certeza, de a estar prejudicando. (...)
Os riscos, e os prejuizos, da administração de Estado estão evidentemente na razão direita da extensão com que intervêm na vida social espontânea.»
Fernando Pessoa, Régie, Monopólio, Liberdade, Revista de Comercio e Contabilidade, nºs 2-3, Lisboa, Fevereiro, Março de 1926.