11.8.04

O natural, o artificial e o espontâneo VIII

Hoje em dia, quando uma pessoa declara que não acredita na teoria da evolução de Darwin é considerada ignorante e atrasada. O caso do Kansas gerou há uns anos uma onda de contestação universal. E, como de costume, os americanos foram declarados uma cambada de fanáticos. Já para não falar nos pobres habitantes do Kansas.

E no entanto, as pessoas continuam a ser consideradas cultas quando afirmam que a lei é uma criação do estado, ou quando dizem que não existem diferenças significativas entre o Esperanto e uma língua natural ou quando dizem que o dinheiro é artificial ou quando troçam da mão invisível.

O processo de evolução por selecção natural é um processo que é capaz de produzir a imensa diversidade da vida biológica sem que ninguém planeie ou dirija processo. O sistema circulatório, a digestão, a fotosíntese, o Ciclo de Krebs, o cérebro, as formas de locomoção, o esqueleto, os vírus, as vias metabólicas, as enzimas, a floresta amazónica são o resultado de um processo que ninguém controla e que ninguém inventou.

É por isso extraordinário que os racionalistas tendam a acreditar que o milagre da evolução biológica é possível ao mesmo tempo que tendem a acreditar que os fenómenos espontâneos não têm qualquer papel social e que a sociedade deve ser organizada, dirigida e controlada de forma racional por uma autoridade central.

E no entanto, as línguas naturais, as leis, o dinheiro, a cultura e mesmo a democracia foram criados por processos que são mais parecidos com a evolução natural do que com a criação racional.

Ninguém inventou o português, ninguém definiu a sua gramática, ninguém criou o seu vocabolário como aconteceu com o esperanto. O protuguês é o resultado de milhares de anos de selecção pelos falantes do vocabulário, da gramática e da pronúncia. Mas nenhum destes falantes teve alguma vez a intenção de criar uma língua, nem teve alguma vez em conta a coerência dos seus hábitos linguísticos. A "invenção" do português foi um processo totalmente cego. Uma determinada regra prevaleceu sobre as outras simplesmente porque se tornou mais popular e não porque todos os falantes tenham chegado à conclusão que essa era a regra mais racional.