1. Nos dias em que o meu colega Carlos Abreu Amorim enche o Blasfémias de artigos a defender a sua veemente opção pela despenalização, acordo no dia seguinte do lado da abstenção.
2. Nos dias em que visito o blogue do Sim, adormeço já na abstenção.
3. Nos dias em que ignoro o que se diz e escreve sobre o assunto, fico novamente a pensar que é altura de ajudar a acabar com estas cansativas discussões, votando favoravelmente no referendo.
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Nunca votarei no Não, por motivos já explicados. Em Outubro, escrevi aqui:
Vem aí um novo referendo à despenalização do aborto e votarei favoravelmente. Não me sinto com o direito de julgar moralmente as atitudes de quem decide em
consciência interromper uma gravidez.
Da outra vez ganhou o não. E ganhou, em parte, porque a campanha do sim foi sequestrada por algum trogloditismo extremista, afastando a moderação do debate e muitos indecisos das urnas. Convinha evitar que a Ana Drago escrevesse coisas como "Num País Que Não Respeita Os Meus Direitos Eu Não Quero Viver ...", moderar os ímpetos guerreiros da Odete, evitar utilizar a campanha para propaganda de grupos marginais construtores de happenings. Em resumo, fugir ao ridículo. E principalmente, convém respeitar as opiniões dos que votam não.
Embora as coisas não estejam tão mal como da última vez, os principais adversários da vitória do Sim continuam a ser os mais activos defensores da causa da despenalização. Cada vez que falam, actuam, insultam, acusam, amesquinham, gozam... são mais umas centenas de portugueses que ficam em casa.
Alguns defensores do Sim ainda não compreenderam o óbvio e continuam alegremente a apostar em argumentação contraproducente. É que há muito boa gente a acreditar que efectivamente o aborto é um crime, que às 8,10 ou 12 semanas já há uma criança a caminho e, nessa situação, qualquer tentativa de 'gozo' ou amesquinhamento de uma convicção profunda só tem como resultado o extremar de posições e o arrastar dos indecisos para o campo do Não, quanto mais não seja por solidariedade para com os atingidos ou por repulsa pelas atitudes extremistas.
Ainda não perceberam que as imagens cada vez mais perfeitas e tridimensionais das ecografias modernas, mexem com muita gente e que o despeito mostrado por alguns irresponsáveis activistas só faz com que muitos cidadãos de bom coração se queiram ver bem longe de tais gentes.
Do que serve atacar a Igreja Católica e as opiniões públicas e publicadas de sacerdotes? A ICAR é, por estatuto, contra a despenalização. Por estatuto milenar, pelo fundamento da própria igreja. Será sempre assim. Claro que há padres que vão comparar o aborto à execução da Saddam. Até conheço doutores por extenso que acham que um aborto é muito mais grave que o enforcamento de Saddam.
Na ICAR, ainda há muitos padres que acreditam em Deus e um ou dois até acreditarão que Noé deixou entrar um casal de pulgas na arca. Há padres que vestem a batina, como outros vestem as camisolas e se o que dizem pode soar a absurdo aos olhos de quem está longe daquele mundo, não será muito diferente do absurdo a que soam certas defesas do FCP feitas por alguns dos seus adeptos. (vá lá, dos outros clubes também?)
Mudar a opinião de um católico convicto beato de igreja será tão fácil como arranjar um benfiquista capaz de convencer o Carlos Amorim a deixar de ser dragão.
Perante estes defensores do Não, os únicos argumentos que poderão ter alguma aceitação, referem-se ao previsível mau futuro dos filhos indesejados, às famílias sem capacidade financeira e/ou emocional para prestarem apoio ou educação às crianças, aos filhos de mães toxicodependentes. Mais vale não deixar vir ao mundo um filho indesejado do que ter um drama que envolve crianças indefesas para resolver. O mais vale prevenir do que remediar.
Mas a abstenção está mesmo aqui ao lado. E as intervenções cada vez mais frequentes dos responsáveis políticos a atirar a prática de abortos para o Serviço Nacional de Saúde é o outro grande argumento que me faz cada vez mais hesitar.
A incompreensão do pensamento liberal leva a que muitos defensores do Sim manifestem indignação por se trazer o argumento económico para cima da mesa. Não percebem que o que está em causa não é a questão económica mas sim a questão da responsabilidade individual. A gravidez não é uma doença. O aborto é uma opção individual de cada mulher e essa opção implica a sua própria responsabilização. Não é papel do estado facilitar ou complicar essa decisão. Pede-se, simplesmente, que saia do caminho.
E não, o aborto não é comparável ao cancro de pulmão do fumador. O cancro é uma doença e as doenças devem ser tratadas. Se Portugal optou por um SNS, nada a fazer, é lá que se tratam as doenças. E o fumador até já pagou antecipadamente por esse tratamento, tantas são as externalidades incluídas no preço do tabaco.
Se os abortos forem praticados livremente no SNS, provavelmente, quem está há 10 meses em lista de espera passará a estar 12. Alguém acredita que seja possível aumentar ainda mais os impostos para financiar a prática de abortos no SNS, sem diminuir os recursos em outras áreas?
Recentemente, A., reformado, ao fim de 10 meses de espera por uma operação às cataratas, já praticamente cego, recorreu ao sector privado. Foi operado em 15 dias e pagou pela operação seis meses de reforma. Não teve alternativa, por falta de capacidade so SNS. A chamada Via Verde para o aborto, seria um tremendo insulto para todos os que, como A., esperam e desesperam meses a fio por intervenções urgentes.
Ah, e não me venham falar nos casos limites de indigência, dos que não têm capacidade de pagar as intervenções. Esses são casos de Segurança Social e não de Saúde.