1. Se uma mulher grávida abortar depois das 10 semanas de gravidez, caso não se verifique nenhuma das outras causas de exclusão da punibilidade previstas no artigo 142.º do Código Penal, deve ser perseguida criminalmente?
2. Se uma mulher grávida abortar, antes das 10 semanas de gravidez, fora de «estabelecimento de saúde legalmente autorizado», deve ser perseguida criminalmente?
3. Se uma mulher grávida abortar, depois das 12 semanas de gravidez, ainda que o aborto se mostre indicado para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a sua saúde física ou psíquica, deve ser perseguida criminalmente?###
O crime de aborto encontra-se previsto no Capítulo II (Dos crimes contra a vida intra-uterina) do Título I (Dos crimes contra as pessoas) do Livro Segundo (Parte especial) do Código Penal. O primeiro capítulo daquele Título I intitula-se Dos crimes contra a vida (extra-uterina, entenda-se). Daquela estruturação parece resultar que o legislador penal entendeu que a vida intra-uterina é vida e, mais do que isso, que há uma pessoa, merecedora de tutela (ainda que, num caso específico ? previsível doença grave ou malformação genética -, a tutela esteja dependente da viabilidade do feto). Poder-se-ia considerar que a pessoa ou vida em causa é a da mãe, mas este entendimento não é compatível com a possibilidade de a própria mãe ser agente do crime, sendo certo que, não sendo punível o suicídio (tentado) nem as ofensas à integridade física auto-inflingidas, é forçoso concluir-se que, no aborto, o bem jurídico protegido não pode ser outro senão a vida do feto.
O aborto é um crime público, isto é, um crime em que a acção penal (abertura de inquérito e ulterior dedução de acusação pelo Ministério Público) não depende de queixa, bastando que a autoridade judiciária tenha conhecimento do crime por qualquer meio, não sendo também admissível a desistência de queixa, ainda que esta exista. O Sr. Procurador-Geral da República já anunciou que não lê blogues nem pede à sua assessora que os leia por ele, mas dá atenção a cartas anónimas, pelo que uma carta deste tipo será suficiente para que seja aberto um inquérito.
Um dos argumentos mais utilizados pelos defensores do SIM no referendo é evitar «as autoridades policiais e judiciais deste país continuem a poder tratar a mulher que decide abortar no início da sua gravidez como uma criminosa».
Uma eventual vitória do SIM, porém, não vai evitar que isto aconteça. Chegado ao conhecimento das autoridades policiais ou judiciárias a suspeita de uma mulher ter praticado um aborto, deverá ser instaurado um inquérito judicial, que só poderá ser arquivado quando se concluir que o aborto em causa não aconteceu ou, em alternativa, que o feto tinha menos de 10 semanas ou que se verificou uma das outras causas aborto não punível, já que, nos restantes casos, continuará a haver crime punível com pena de prisão. Até que se chegue a tal conclusão, a mulher poderá ser constituída arguida, interrogada ou sijeita a outros meios de prova.
A única forma de evitar que as mulheres que abortam possam continuar a ser «perseguidas como criminosas» seria a revogação pura e simples do artigo 140.º, n.º 3 do Código Penal, o que, creio, nem sequer os mais acérrimos defensores do SIM defendem.
Adenda:
O Pedro Caeiro já respondera (negativamente) à pergunta 2 neste post. A resposta torna ainda mais pertinente a pergunta.