O objectivo da separação de poderes é evitar abusos de poder. Se o poder for distribuído por três partes os abusos de poder só se concretizarão se pelo menos 2 ou 3 poderes colaborarem entre si para atingir um dado fim. O argumento é válido qualquer que seja o poder que ultrapassa os limites daquilo que é aceitável. Mas para esta limitação ao abuso de poder funcionar é necessário que todos os poderes possuam uma esfera de liberdade que impeça a sua subordinação total aos restantes.
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Num sistema de separação de poderes os abusos do executivo são limitados pela independência dos tribunais e do legislativo. Sempre que o executivo abusar dos seus poderes os tribunais podem condená-lo de acordo com a lei independente produzida pelo legislativo. Sempre que o judicial abusa dos seus poderes o executivo pode recusar-se a cumprir as respectivas sentenças e o legislativo pode fazer leis que tornam mais difíceis os abusos de poder.
Agora, imagine-se que é o legislativo a abusar do poder. Imagine-se que o legislativo produz todo um conjunto de leis iníquas. Pela lógica legalista segundo a qual o executivo e judicial são obrigados a cumprir a lei não há defesa contra tal abuso. Imagine-se, por exemplo, que o legislativo cria uma nova lei que torna os judeus cidadãos de segunda (um exemplo totalmente hipotético, como se sabe). E imagine-se, para simplificar, que consegue que a lei tenha força constitucional. Há duas hipóteses, ou o executivo e o judicial obedecem à lei, ou não o fazem. Claro que, do ponto de vista da protecção das liberdades a segunda hipótese é a melhor. Mas a segunda hipótese só será aplicada em tempos críticos se existir uma cultura de independência do judicial e do executivo.
Para que exista uma cultura de independência dos poderes judicial e o executivo é necessário que a lei e a tradição lhes reconheçam o direito de se recusarem a transformar-se em marionetes do poder legislativo. No caso do poder executivo, é preciso que a lei e a tradição atribuam ao executivo o exclusivo da iniciativa executiva. Isto é, a lei geral deve servir apenas como limite à acção do executivo. Não pode servir para forçar o executivo a determinadas iniciativas com que o executivo não concorda.
A atribuição do exclusivo da iniciativa executiva ao executivo tem várias vantagens adicionais. Só serão aplicadas leis que determinam iniciativas voluntaristas e intervencionistas se existir um amplo consenso social, só serão aplicadas leis minimamente compatíveis com a realidade e só serão aplicadas as leis consideradas prioritárias pelo executivo.
Este sistema de separação de poderes em que o executivo não pode ser forçado a tomar iniciativas é particularmente vantajosos quando associado a Estados com múltiplos poderes executivos. Nestes Estados a lei geral pode ou não despoletar iniciativas executivas conforme os poderes locais. Se o Parlamento central tivesse o poder para impor iniciativas executivas, a independência política de cada poder local seria muito menor. Se os poderes locais tiverem independência executiva cada região terá as suas instituições e os seus serviços públicos. A concorrência entre poderes locais e as preferências locais produzirão um sistema óptimo em que cada região terá as solução mais adequadas à sua situação e em que os descontentes poderão obter serviços inexistentes na sua região noutra região.