20.9.07

VHS, QWERTY e o Esperanto

Ricardo Paes Mamede, num post em que tenta demonstrar a necessidade de os mercados terem um qualquer tipo de controlo poítico, diz o seguinte:

Um dos domínios onde é fácil de perceber que o funcionamento dos mercados sem interferências externas não é garante de eficiência é o da evolução da tecnologia. Dois exemplos clássicos disto são o teclado QUERTY e o sistema de vídeo VHS. Ambos constituem soluções sub-óptimas que vingaram no mercado, apesar da existência de alternativas tecnicamente superiores e igualmente viáveis em termos económicos. Em ambos os casos, o sucesso deveu-se ao facto de os mecanismos de mercado garantirem que a partir do momento em que uma solução tecnológica vinga, torna-se extremamente difícil ela ser posta em causa pela concorrência.


Alguns comentários:

1. Os estatistas têm forçosamente que ter uma visão tecnocrática da vida que os leva a optimizar tudo de acordo com um ponto de vista demasiado limitado. No caso, defende-se que o mercado devia ter optimizado tendo em conta exclusivamente as características técnicas. Esquecendo que o mercado tem que optimizar não apenas as características técnicas, como também as económicas e as sociais. Um produto até pode ser muito bom tecnicamente, mas não serve para nada se for caro ou se ainda não tiver chegado ao mercado ou se não gerar a adesão do público. A vantagem dos mercado sobre a tecnocracia é que os mercados procuram o óptimo global. Como procuram o óptimo global, determinadas características dos produtos mais vulgares ficam sub-optimizadas (não é possível optimizar ao mesmo tempo um sistema e cada um dos respectivos sub-sistemas). Um produto cujas características técnicas estão optimizadas é um sinal de que o mercado está a sofrer interferências de tecnocratas.
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2. Ricardo Paes Mamede diz que "o funcionamento dos mercados sem interferências externas não é garante de eficiência". Há aqui um equivoco. Não é suposto os mercados serem eficientes. Os mercados são ineficientes. O que interessa é a vantagem comparativa dos mercados em relação aos sistemas estatistas. Num sistema estatista, o video-gravador não teria sido lançado em 1976. Provavelmente teríamos que esperar anos para que os tecnocratas decidissem qual seria o óptimo técnico. E provavelmente o video-gravador teria sido, ao longo do seu tempo de vida, um produto muito menos útil porque os tecnocratas nunca se teriam tentado optimizar o produto tendo em conta as suas características não técnicas. O que interessa não é se os mercados são eficientes, mas se os mercados são melhores que um sistema controlado por tecnocratas.


3. Num sistema estatista, os tecnocratas fazem optimização racionalista. Estão limitados pela suas próprias capacidades para seleccionar produtos que serão utilizados por outros. Por alguma razão o mercado de consumo da antiga URSS nunca descolou. Os tecnocratas são bons a resolver problemas técnicos. São péssimos a satisfazer as necessidades dos consumidores. E os consumidores não procuram óptimos técnicos. Procuram um óptimo que tenha em conta factores técnicos, económicos, de design, de funcionalidade, disponibilidade, conforto e utilidade. Um sistema tecnicamente superior que não é distribuído à porta da casa do consumidor é inútil. Um sistema tecnicamente superior que só sai para o ano é inútil.

4. O argumento contra o VHS é similar ao argumento contra as línguas naturais defendido pelos adeptos do esperanto. Também se pode argumentar que o inglês é uma língua sem as características técnicas necessárias para ser a língua franca da Europa. O esperanto é que tem essas características porque é muito mais simples, é neutro e tem mais semelhanças com mais línguas. O esperanto é um óptimo técnico. Mas a vida não é feita apenas de técnica. E por isso a língua franca é o inglês.

5. Quanto ao autocarro propulsionado a bateria, dificilmente o seu destino terá dependido de um único evento em Londres no início do século XX. É que autocarro propulsionado a bateria não vingou em lado nenhum do mundo, nem mesmo nos mais avançados países socialistas onde os mecanismos de mercado não impediam o progresso e a inovação.

6. Os tecnocratas têm uma visão racionalista do desenvolvimento tecnológico. O único critério de validação é o juízo dos tecnocratas. Isto normalmente quer dizer que as preferências do consumidor são ignoradas em nome de um ideal técnico. Os mercados, pelo contrário, têm um mecanismo evolucionistas. Seleccionam a tecnologia à medida que os empreendedores a criam. E os principais agentes que seleccionam a tecnologia são os próprios consumidores. Isto quer dizer que sobreviverão as tecnologias que interessam aos consumidores e não aquelas que respeitam um determinado ideal técnico.