28.10.04

A Crise Europeia III - "Uma evolução preocupante"

José Manuel Fernandes, no Público de hoje (Uma evolução preocupante), levanta, a propósito da "Crise Europeia", algumas questões pertinentes. A perspectiva e os pressupostos de partida de JMF, merecem, contudo, alguns desenvolvimentos complementares.

Em síntese, a tese e a preocupação de base que JMF expressa, prende-se com aquilo que, correntemente, se designa, por "desequilíbrio institucional" da UE.

O inegável (pelo menos, aparentemente) reforço do papel e do estatuto, de facto, político do Parlamento Europeu, decorrente do recente episódio em torno do "caso Buttiglione" e do "quase - chumbo" do colégio de comissários proposto pelo nosso José Manuel (Durão) Barroso preocupa o Director do Público. Em parte, de uma forma mais directa e partindo (contudo) de outros pressupostos, essas mesmas preocupações foram expressas por alguns analistas (ver, infra, o post A Crise Europeia II - relembrando Altiero Spinelli).

Ora, a questão é muito simples (e, talvez por isso mesmo, simultaneamente, muito complexa): ou aceitamos que a construção comunitária assenta numa lógica de modelo de organização política aberto, à procura, permanentemente, do seu referencial ("o caminho faz-se caminhando"), ou então, tentamos comprendê-la à luz dos quadros constitucionais clássicos (pressupondo, sempre, como ponto de comparação a construção do "Estado nacional").

No fundo, todos nós - e esse será o caso que pressinto subjacente às questões importantes lançadas pelo Director do Público - tendemos natural e mesmo inconscientemente para esta última hipótese (até por hábito e facilidade de raciocínio). Nesta última perspectiva, é verdade que somos redutores ao considerar que o Parlamento Europeu é a mais democrática (porque eleito directamente) instituição comunitária, é também verdade que, como assinala JMF, esta visão acaba também por ser "uma visão redutora do que é a democracia e uma demonstração das graves deficiências da actual arquitectura institucional da União"; será, também, verdade - ainda partindo do mesmo pressuposto! - que nessa arquitectura há um desvio ao postulado (clássico) do princípio da "separação dos poderes".

Porém, concordando com JMF quando diz que, para a União e para países como Portugal, o reforço do poder da Comissão seria o mais proveitoso e importante (no fundo, assumindo-se claramente um caminho mais "federal" e desvalorizando-se os traços intergovernamentais da organização), já não concordo, contudo, que, por si só, o reforço da "voz política" do Parlamento Europeu signifique necessariamente (como parece, no fundo, ser a tese de JMF), a manutenção do déficite democrático europeu.

É que, encarando o princípio democrático numa perspectiva actualista/alternativa (mas não menos vigorosa!), ele poder-se-á reforçar apenas e tão só, num quadro atípico e numa entidade que ultrapassa os modelos históricos definidos pelo Constitucionalismo e pela Ciência Política clássicos, pelo simples facto de se reforçar a legitimidade ab-initio das instituições, através da busca do maior consensualismo possível na respectiva composição. E tão só isto, sem que isto possa significar algo mais do que um equilíbrio político mais sólido e reforçado - e, portanto, mais solidariedade institucional - no exercício das competências de cada um (leia-se, de cada Instituição).

No caso concreto, sem dúvida que se a projectada-proposta-futura Comissão de Barroso "passar", poderá legitimamente, no futuro, esperar uma solidariedade (e exigir uma responsabilização acrescida!) do próprio Parlamento Europeu! Sendo certo que a própria voz/estatuto (ainda que político-simbólico) deste, também se valorizou!

P.S. - Respondendo, por fim, à questão que em P.S., JMF coloca («Se, por acaso, o intocável Daniel Cohn-Bendit, fosse indicado para comissário do mesmo pelouro que Buttiglione, alguém imagina que se levantaria idêntica tempestade entre os deputados»), eu acho que sim....eu, pelo menos, levantaria e acho que aqueles que, agora, no Parlamento Europeu, apoiaram a nomeação de Rocco, deveriam também fazê-lo! E legitimamente >- se não o fizessem, isso não significaria nem mais, nem menos tolerância ...mas sim, desatenção e incompetência política! Mas isto, no fundo, são os resultados legítimos da democracia institucional a funcionar!